sábado, 30 de abril de 2016

Enquanto espero, eu tenho guardado o meu amor: o livro


“Há tempos eu procurava o que fazer com a minha dor e perguntava: “Onde colocá-la?”, “O que fazer para ela parar de doer?”, “Como não senti-la?”. Foi quando eu entendi que o lugar da minha dor é no amor. No amor infinito que eu sinto pelo Cauê e em tudo que ele, em seu curto e intenso tempo de vida, foi capaz de me ensinar. “

E assim começa o texto da contracapa do livro. O primeiro texto que escrevi apenas para o livro, pois agora, o blog que eu escrevi durante toda a gestação e vida do Cauê, “Enquanto espero, eu tenho guardado o meu amor”, é oficialmente um livro. E apesar de ter sonhado de um jeito e a vida ter me direcionado a uma nova forma de sonhar, ele agora é real. E isso só foi possível graças ao entendimento de uma das maiores lições que a precoce vinda e partida do meu filho me proporcionou:  o lugar da minha dor é no amor.

O plano era escrever no blog até o Cauê completar um ano de idade e depois entregar a ele o livro num formato lúdico, infantil quando ele aprendesse a ler. Mas não deu. E além de tudo que eu perdi com a morte dele, mais essa quebra de sonho e expectativa me machucou por meses. Foi aí que na turnê do Pearl Jam do ano passado, eu percebi dentro de mim, pela primeira vez, a dor e o amor convivendo juntos de forma pacífica e respeitosa. Essa percepção me encheu de esperança e coragem para resgatar o que ainda me restava e a transformação do blog no livro, algo que eu tanto desejei e sonhei, é a maior concretização disso.

Este é um livro de um exemplar só e feito por amigos que se solidarizam com a nossa história de amor e cederam os seus talentos para torná-lo real. Especialmente, Lu de Mari, mais uma vez e por todo o sempre, obrigada, minha amiga. O livro não foi pensado para ser um e-book, mas ele ficará disponível aqui no blog para quem quiser ler. É só clicar na seta que está em diagonal no lado direito da tela (ao lado de IN) que ele ficará em tela cheia e facilitará a leitura. Algumas páginas estão branco porque eram necessárias para a composição do livro impresso.  

Neste momento em que escrevo, uma sensação de liberdade toma conta do meu peito. Acho que assim como a minha terapeuta me disse que um dia aconteceria, no meu tempo, eu sinto que a partir de agora nenhuma homenagem em futuras turnês do Pearl Jam, nem livros ou tatuagens precisarão mais existir para eu homenagear e eternizar o Cauê na minha vida. Eu poderei senti-lo no vento, no mar, no sol e em tudo que me trouxer alegria e paz. Ele é e sempre será o meu primeiro filho, o meu eterno amor, o meu bebê lindo e de dentro de mim, ele jamais sairá. Hoje, um ano que ele foi para a morada do Pai, eu sinto que é chegada a hora de parar as tentativas de fazer ele “ficar” um pouco mais. Eu sempre soube, desde que ele se foi, de que ele não precisava de nada disso, mas eu sim. Era uma necessidade minha.

Por outro lado, eu também sei que nunca mais serei 100% feliz. Mas serei o percentual que eu puder ser. A dor tem a minha permissão para ficar, mas o sofrimento não mais. E neste um ano da morte do Cauê, eu me liberto. Ele, eu libertei quando o vi em coma. Eu precisei de alguns dias vendo ele naquele estado para matar toda esperança que ainda havia dentro de mim. E após 5 dias, eu me rendi à vontade de Deus e me tremendo e gaguejando, no dia 29 de abril, sozinha, eu abri a incubadora, coloquei a mão no peito dele e disse que ele estava livre para partir e parar de sofrer, pois a mamãe ficaria bem. No outro dia, ele se foi. Essa última parte eu menti. Eu nunca ficarei plenamente bem, mas eu seguirei com fé, esperança e amor. Por Deus, por ele, por PR e pelos dias melhores que eu sei que virão.

Eu te amo, bebê lindo. E eternamente guardarei o meu amor por você.



quarta-feira, 2 de março de 2016

Só enquanto eu respirar....





Por mais que eu saiba e sinta que isto é impossível, eu morro de medo de esquecer do meu filho. Eu tenho medo de o tempo levar da minha memória as poucas lembranças físicas que nós tivemos, pois sim, elas são muito importantes pra mim. Daí na última segunda-feira eu estava lendo um post de um grupo de ajuda à perda gestacional e neonatal que eu faço parte e foi quando uma mãe sugeriu que nós fizéssemos uma playlist para os nossos filhos  que partiram.

Eu sugeri Light Years do Pearl Jam e Better Days do Eddie Vedder e muitas mães participaram. Eu lembro que sugeriram Tears in heaven, do Eric Clapton,  Aonde quer que eu vá, dos Paralamas, Not as we, da Alanis Morissette, Gostava tanto de você, do Tim Maia, entre tantas outras. Mas uma que eu não conhecia me chamou a atenção: O anjo mais velho, do Teatro Mágico.

Primeiro que o nome da música é lindo e muito representativo pra mim e depois que muitas mães começaram a comentar emocionadas naquela sugestão. Fui para o youtube, ouvi a canção e desabei.  Eu não chorei, eu desabei. Eu escutei a música umas dez vezes seguidas. Talvez na tentativa de internalizá-la no meu coração como um mantra: "só enquanto eu respirar vou me lembrar de você". Eu me senti tão acolhida, amparada...era como se alguém me dissesse: "Ei, moça, não precisa ter medo de esquecer o Cauê. Só enquanto você respirar, você vai lembrar dele.  Somente enquanto respirar."

Vários outros trechos da canção são bem fortes e bonitos, por isso, pra quem não conhece a música, eu coloquei abaixo a letra completa, inclusive fiz isso por mim mesma. Porque quando o medo vier me visitar, infelizmente eu sei que ele ainda virá, eu poderei voltar aqui e lembrar que não , eu não vou esquecer o meu filho. E que só enquanto eu respirar, eu vou lembrar do meu bebê, o meu anjo mais velho.


O anjo mais velho

"O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"

Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minha alma daquilo que outrora eu deixei de acreditar

Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minha alma d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar

Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia o verbo a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar...

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..




quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Ode ao meu corpo

Olá, meu corpo

Eu acho que desde que o Cauê nasceu, ou melhor, antes, você foi quem mais se esforçou, trabalhou, lutou e eu nunca te agradeci verdadeiramente por isso. Na verdade, eu fiz o contrário. Eu culpei você, eu dei a você o título de incapaz de gerar uma criança saudável. Logo você que fez de tudo para que o Cauê não nascesse prematuro, mesmo sem entender o que estava acontecendo já que todos os exames diziam que você estava bem. Desculpe, meu corpo. Hoje a minha homenagem e gratidão vai pra você.

Eu sei que levei você à exaustão. 157 dias ininterruptos com uma jornada diária de em média 12 horas num hospital, dormindo pouco, comendo pouco e sofrendo muito. Você que ficou horas tentando parto normal, mas enfrentou uma cesárea sem o menor cuidado no pós operatório. Você que não teve resguardo, que teve os seios repletos de leite, mas não tinha o filho que você gerou pra sugar, somente uma bomba fria e sem vida. Obrigada por esse leite, meu corpo. Foram quase 3 meses esperando Cauê poder mamar, mas não deu tempo e a falta da ocitocina e da sucção dele fizeram o leite secar, mas você foi muito guerreiro, meu corpo.

Eu sei que culpei tanto você e hoje, às vezes, ainda culpo. Olho para o lado, para frente e para trás e vejo minhas amigas e estranhas "conseguindo" gestar seus filhos até o final da gestação e ainda me pergunto por que você não conseguiu. O que você fez ou deixou de fazer? Eu sei a resposta no seu coração, mas ainda assim eu sinto que você não é culpado, mas incapaz. Por favor, perdoe-me por isso. Eu estou cuidando da mente para ela me ajudar a tratar você melhor.

Eu nunca vou esquecer da conversa que eu tive com um médico e do quanto, pela primeira vez, eu fiquei orgulhosa de você após a chegada e a partida do Cauê. Ele me disse que pelos sangramentos durante a gravidez, sem os exames acusarem nada, isso significava que o meu corpo estava tentando expulsar o Cauê, provavelmente por mal formações. Como você bem sabe, o bebê lindo nasceu com diversas mal formações como deficiência visual, auditiva, motora....enfim. E foi aí que o médico me disse que ainda assim você aguentou e segurou até onde pôde para que o Cauê tivesse a chance de nascer vivo e cumprir a missão que eu e ele acordamos na espiritualidade. Eu ainda me emociono quando eu lembro disso. Muito obrigada, meu corpo, por ter conseguido as 28 semanas.

Obrigada por não ter adoecido durante os 157 dias mesmo sendo tão mal cuidado. Obrigada por ter levantado do chão quando a mente estava prostrada. Obrigada por ter gerado o Cauê da forma que ele veio. Obrigada por ter me proporcionado a sensação do toque do meu filho, a visão de seus sorrisos, o cheiro de sua pele. Obrigada pelas suas pernas, pelos seus braços, pelo seu útero, pelo seu coração.

Desculpe ter demorado tanto a olhar pra você e perceber o seu mérito em toda essa trajetória. Nos últimos 9 meses, eu achei que só a mente merecia atenção e que cuidar de você com alimentação e exercícios eram suficientes. Mas não são, eu sei. Eu preciso olhar pra você com mais compaixão e gratidão e mudar o discurso e o pensamento que só nos afasta e magoa. Desculpe-me, meu corpo, com todo o seu coração. E obrigada, pois sem você, eu não teria conhecido o Cauê. Sem você, eu não sentiria esse amor tão profundo. Sem o seu coração, eu não teria onde guardar o maior e mais bonito sentimento do mundo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Sobre sentir saudade

Eu sempre disse que a saudade só é boa de sentir quando ela pode ser "matada". Do contrário, ela tem sabor de dor. Além da minha fé em Deus, a minha fonte principal de inspiração para lidar com a dor da saudade e tudo que ela envolve é a música e a literatura. Isso desde que eu me entendo por gente. E desde o final do ano passado eu intensifiquei as leituras. Diversos textos, diversos gêneros, diversas histórias, não há uma temática preferida. Eu só tenho buscado manter a minha mente ativa, lúcida e com bons pensamentos. Isso porque eu reflito sobre cada frase que me toca, eu sinto, eu absorvo e guardo cada sentimento dentro de mim. Foi aí que semana passada, minha grande amiga Priscila  (obrigada por não desistir de mim, Pri), me apresentou um site chamado "vamos falar sobre o luto"?

O site é na verdade um convite para quebrar um tabu e falar sobre a morte, a perda e a saudade de uma maneira mais natural. E foi no compartilhar de histórias (e não de experiências, pois experiência é algo único e intransferível ) que os textos se converteram em verdadeiros abraços de desconhecidos pra mim. Logo eu que não queria ler nada sobre prematuridade e morte, consegui enxergar uma beleza inimaginável ali. Eu me senti extremamente acolhida e acarinhada , especialmente pelo Paulo através do texto "vai viver, cara".

Paulo perdeu a sua filha de 18 anos, literalmente, de uma hora para outra. Ela foi tirar um cochilo após chegar da faculdade e não acordou mais. O lance é que o Paulo narra a sua história com uma lucidez, entrega e liberdade emocionantes. Sem amarras, sem sofrimento. Há saudade, há dor, mas uma saudade que me pareceu boa de sentir, mesmo sem poder ser "matada". Eu já li o texto dele umas cinco vezes. Cada vez eu aprendo e apreendo mais. E nesta semana, pela primeira vez, eu consegui conversar de forma lúcida com o Cauê. Com calma, sem medo dos meus sentimentos, sem chorar muito e até com alegria. Eu juro.

Passei a exercitar a gratidão por termos vivido 157 dias juntos e não o lamento por ter sido apenas 157 dias. Passei a agradecer a ele por tudo que ele me ensinou e continua me ensinando e não o lamento por não ter conseguido trazer ele pra casa. Passei a agradecer o nosso encontro e não a nossa despedida. Passei a libertá-lo, devagar, no ritmo que eu consigo, sem medo de perder ele de novo. É um exercício como outro qualquer. Requer disciplina, boa vontade e persistência. Cansa, fadiga o lado emocional do cérebro e o coração, mas dá resultado. Todas as vezes que o pensamento e a sensação de frustração como mulher e mãe me assombram, e não são poucas, agora eu lembro do Paulo, da Amanda e do Cauê. Da relação que ele se propôs a ter com a sua filha, da relação que eu posso ter com Cauê, ambos após a morte. Assim como Paulo, eu quero sentir o meu filho no vento.

Um sentimento de saudade diferente começou a surgir dentro de mim. Não a tal da "saudade gostosa", mas uma saudade livre. Livre pra nós dois. Uma saudade que pode ser "matada" de uma forma diferente: com os olhos fechados e o sorriso e o coração abertos. Um sentimento consciente, sem ilusão, mas leve, sem peso. A dor, por hora, eu desisti. Não sei o que fazer com ela. Deixa doer. Um dia eu aprendo. Ou não. Uma coisa de cada vez e agora é o tempo de aprender a sentir saudade sem sofrer. E isso já é muito. Muito bom.


domingo, 27 de dezembro de 2015

"Como eu escolho me sentir é como eu sou"

Sem a menor sombra de dúvidas, 2015 foi o ano mais difícil da minha vida, mas não, ele não foi o pior. Pra ser sincera, até hoje, não houve o "pior ano da minha vida" e, com fé em Deus, não haverá. Talvez porque como disse o Mike, guitarrista do Pearl Jam, ao escrever a música inside job (aqui no Brasil, inclusive), "como eu escolho me sentir é como eu sou". E por mais que as circunstâncias e mistérios da vida tenham me levado a sentir a pior dor do mundo esse ano, eu não seria justa e verdadeira se escolhesse sentir e resumir 2015 unicamente a sofrimento. 

Voltando um pouco no tempo, na noite de natal de 2014, exatos 30 dias do nascimento do Cauê, eu estava muito abalada e meu pai me fez uma promessa que norteou a minha imaginação e fantasia por todo esse ano. Ele me disse que no natal de 2015 Cauê estaria com a gente em casa e que ele montaria uma árvore de natal só para o neto e que ninguém diria "não" quando ele mexesse na árvore, estaria tudo liberado pra ele fazer o que quisesse. E eu imaginei tanto essa cena , de tantas formas e como eu sorri sozinha pensando nisso. Aquilo era a cara de painho e eu passei a sonhar dentro daquela UTI, quase todos os dias, com o que seria a "cara" do Cauê naquele momento. A noite de natal desse ano chegou e a sensação que ela me causou foi muito pior do que eu pensei, uma dor profunda dilacerou a minha alma e eu estraguei o natal da minha família com a minha tristeza e uma crise de choro incontrolável. 

No dia 25, eu ainda estava meio dopada de remédios, mas passei o dia quieta e consegui meditar, refletir e me esforcei pra fazer uma listinha mental do que me alegrou durante esse ano, do que a vida me trouxe,  do que ficou e dos ensinamentos que eu tive através da experiência de ser mãe de UTI de um bebê prematuro extremo e da perda desse filho . E por mais lágrimas que tenham rolado em meu rosto por causa desses pensamentos, eu percebi que muita coisa bonita veio na memória do meu coração, mais até do que imaginei. São os bons momentos que eu tive com o meu bebê lindo e as pessoas que quiseram verdadeiramente ficar ao meu lado que estão essencialmente vivas em minhas lembranças.

Naturalmente eu lembrei e sofri pelo que eu perdi. E eu perdi muito. Eu perdi sonhos, planos, expectativas e além de ter perdido, fisicamente, o Cauê, eu "perdi" outras pessoas que eram muito valiosas pra mim nesse ano. Relações que eu acreditei por toda uma vida que eram fortes, verdadeiras e que eu só descobri quando eu mais precisei que não eram nada daquilo. E como isso me machucou, como doeu! E ainda dói. Mas nessa meditação eu vi tão mais claramente o outro lado, o lado de colegas que viraram grandes amigos tamanha coragem, presença e disponibilidade e de amigos que se tornaram verdadeiros irmãos diante de tanto amor dispensado sem nenhum pedido realizado.

O fato é que eu sou muito mais humana do que pensam, muito menos forte - e mais insegura - do que imaginam e todos os minutos, todas as horas, todos os dias eu me esforço para seguir sem revoltas, sem questionamentos, sem vitimização. Se eu posso escolher como eu vou me sentir, eu não consigo sempre, mas eu procuro escolher me sentir em paz. Eu procuro escolher confiar em Deus e nos seus propósitos, eu escolho acreditar que não era pra ser, eu escolho acreditar que eu não fiz nada de errado ou que eu fiz tudo que era possível. Eu escolho acreditar que ele está bem e que eu, um dia, também conseguirei ficar, mesmo sem ver isso hoje como uma possibilidade real. Eu escolho ter fé em Deus e esperança no amanhã.

E por falar em esperança no amanhã, esse ano algumas pessoas, sentimentos e acontecimentos se materializaram em forma de esperança pra mim. O sorriso e a sensação de tocar, cheirar, beijar o Cauê ; o amor sublime e incansável da minha mãe e do meu marido; o amor e a proteção indispensáveis da minha irmã; a surpresa de uma colega que não virou amiga, ela foi direto ao meu coração como irmã, Aninha; a paz que as notícias de Luciana me davam; a emoção de assistir o vídeo do Cauê feito pela Pri; as iniciativas do Vinícius e do Luiz e a mobilização que isso causou; a chegada do Dionísio na minha vida como algo que, definitivamente, me salvou da amargura e depressão ; a saúde do meu pai ; o nascimento de Clara (filha de Camis e Arthur) ; a turnê do Pearl Jam e as palavras do Eddie ao dedicar Given to fly para mim. Um filme passou pela minha cabeça quando eu escolhi lembrar do que foi bom, mas foram essas as lembranças que mais me trouxeram amor, paz, alegria e gratidão.

Definitivamente, eu não posso ter vivido e sentido tudo isso e ainda assim classificar esse ano como o pior da minha vida. Claro que se eu fizer uma lista do que foi ruim, um  único texto seria pouco, mas como eu escolho me sentir é como eu sou, não é? E não, eu não quero fazer isso. E não é porque eu sou uma pessoa evoluída espiritualmente como insistem em dizer, eu me acho imatura até, é simplesmente porque lembrar do que foi ruim vai doer e a vida muitas vezes não me deu a chance de escolher se eu queria sentir dor ou não. Então se eu posso escolher, não, eu não quero sentir essa dor.

Em 2015 estão as minhas melhores lembranças com o Cauê e por isso eu não desejo que ele acabe logo e muito menos quero esquecê-lo. Eu só preciso de um tempo para não sentir mais dor pelas lembranças ruins desse ano, pelo que eu tive que desconstruir, pelo que perdi, exceto a perda do Cauê, pois esta, eu sei, é uma dor impossível de superar. Porém, suportá-la com mais serenidade e liberdade é um desejo que eu farei de tudo para conquistar. E que 2016 me traga mais paz interior, força e coragem. Que eu consiga ter a harmonia necessária para iluminar os meus pensamentos e as minhas ações para tocar a vida em frente com amor. Por mim, por PR, pelos meus pais e irmãos, pelos meus verdadeiros amigos e reais familiares e especialmente pelo Cauê, pela paz que ele precisa sentir em mim para seguir o caminho dele também, afinal o nosso elo não se partiu.

Eu confio em você, 2016. Confia em mim, meu filho. Ainda assim, obrigada, 2015.




terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O amor que recebemos está salvo

E mais uma vez a turnê do Pearl Jam aconteceu numa fase muito importante da minha vida, mais uma vez ela foi um verdadeiro divisor de águas pra mim. Por isso, eu pensei muito como eu deveria escrever sobre ela aqui no blog. Dias tão mágicos, tão intensos. Quais os detalhes que eu deveria deixar guardado aqui? O que eu consigo realmente compartilhar, escrever, sem deixar o texto absurdamente extenso ou cansativo?! É um verdadeiro desafio, mas é um desafio bom e que eu decidi deixar rolar com o que vier de mais forte daqui de dentro, bem do coração.

Esse ano, por questões óbvias, eu demorei pra entrar no clima da turnê. Em 2011, três meses antes eu já estava pilhada, ansiosa. Dessa vez, eu não consegui entrar tão cedo no clima. Porém, poucos dias antes de viajar, eu não comentei isto com ninguém, mas eu comecei a sentir muito forte que algo especial aconteceria, mas dentro de mim, esse "especial" seria a banda tocar Light Years dedicada ao Cauê. Mas o fato é que eu não sabia que antes da turnê começar, diversas pessoas e energias já estavam tentando e vibrando para que esse "algo especial" acontecesse, mas o que rolou na noite do dia 14 de novembro de 2015 foi algo que eu nunca, nesses 17 anos como fã, sonhei que fosse possível.

E foi possível em São Paulo. Cidade que, também por questões óbvias, é muito importante pra mim. Na verdade, antes de eu conhecer PR, quando eu estive lá pela primeira vez, eu me apaixonei de cara. E foi lá, em novembro de 2011, que eu conheci o grande amor da minha vida, foi lá que eu vi o Pearl Jam ao vivo pela primeira vez, foi lá que eu fiz alguns dos maiores e verdadeiros amigos que eu tenho. E foi lá, dessa vez em novembro de 2015, que o Pearl Jam dedicou Given to fly pra mim, com um texto escrito pelo Eddie e com palavras ditas em português, repletas de força e amor, numa noite que eu jamais esquecerei.

Tudo começou quando, sem combinar nada entre eles, nossos amigos Dan, Eydinho, minha irmã Soraya e minha amiga Izabely tentaram levar a nossa história com o Cauê até o Pearl Jam. A única coisa que eles tinham em comum era a vontade de que algo especial acontecesse na turnê pra gente, sem nenhum deles saber ao certo o quê.

Dan é nosso amigo, fã do Pearl Jam, cinegrafista profissional e amigo do Jeff Ament (baixista do Pearl Jam). Ele disse pra mim que "naturalmente" teve vontade de fazer isso. Daí ele pegou o video em homenagem ao Cauê (feito pela Pri) e que tem 8 minutos, editou para quase 3 minutos numa sensibilidade impressionante, colocou legendas em inglês, acrescentou outras fotos e enviou o video por e-mail para o Jeff contando a nossa história. A música que toca no video é Given to Fly e por isso o PJ dedicou ela pra mim. A versão do vídeo feita pelo Dan ficou muito linda e emocionante:



Eydinho (ou Eyder, como o Eddie fala no vídeo) é meu amigo de infância, ele quem me deu o meu cachorro, Dionísio. Ele disse que teve um "estalo" meio que do nada, não conhecia o Ten Club (fã clube oficial do Pearl Jam), mas pesquisou, encontrou eles e escreveu em poucas linhas sobre nós informando o link desse blog e da minha página no facebook. O mais mágico nisso é que o 10C recebe milhares de e-mails diariamente (especialmente durante uma turnê), pois o Pearl Jam é uma banda muito grande. E mais, ele enviou o e-mail poucos dias antes do show de São Paulo e quando os caras já tinham começado a turnê na América Latina. O e-mail tinha tudo pra ser só mais um pedido, mas não foi. É porque, definitivamente, tinha que acontecer.

Minha irmã e minha amiga Iza tentaram juntas contato com o produtor do Pearl Jam no Brasil e enviaram diversos e-mails pelo site da banda, além do texto contando detalhadamente a nossa história para canais de televisão como o Multishow e programas da Globo. Não deu certo por esses caminhos, mas eu tenho certeza que a energia delas contribuiu e muito para esse desfecho tão incrível.

O que sabemos é que o e-mail de Eydinho chegou até a banda mais ou menos na mesma época em que o Jeff respondeu o e-mail do Dan . E ele me mostrou a resposta do Jeff que dizia algo como: " Nossa, quanta dor e quanto amor". Só que, certamente, o Jeff mostrou o video para o Eddie como um material enviado por um amigo brasileiro ( por isso não foi dito o nome do Dan) e junto com o e-mail do Eydinho e o meu nome pouco comum, eles identificaram que era a mesma história, a mesma pessoa e dedicaram a música do vídeo.

Porém, pra mim, o maior responsável por essa história toda foi o Cauê.  Esse "estalo" e esse "naturalmente" que o Eydinho e o Dan falaram se chama Cauê. Pra mim, é muito claro que ele quem inspirou todas essas pessoas a se mobilizarem. Pra mim, ele quem inspirou o Eddie a parar, pensar, sentar e escrever tudo aquilo. Ele poderia simplesmente ter dedicado a música e ponto. Mas não, ele quis oferecer "amor e apoio enquanto eu recupero a esperança no amanhã". Eu passei dias refletindo sobre tudo isso, especialmente sobre o "enquanto". Eddie não me conhece, mas mostrou que acredita em mim quando disse "enquanto". Ele acredita que eu vou me recuperar, que eu não vou desistir, que eu não vou me entregar...Cauê soprou isso no coração dele, pois ele sim me conhece muito bem.

Só quem conhece o Pearl Jam, sua equipe de produção e características sabe o quanto isso é pouco comum, o quanto isso tudo foi surreal. E duas músicas antes de Given to Fly rolar, eles tocaram uma música linda, porém triste e que o Eddie fez para o seu amigo Johnny Ramone quando ele morreu. Come back é uma música um tanto que evocativa e eu não quis cantá-la porque eu sabia que chamaria pelo Cauê em pensamento e não seria bom. Eu fiquei a música inteira abraçada com PR e nós dois choramos muito. Foi tão difícil aquele momento que eu cheguei a lamentar por eles terem tocado, pois eu fiquei verdadeiramente mal. Swallowed whole, a música que rolou em seguida, é uma das minhas preferidas do último álbum, era a primeira vez que eu a ouvia ao vivo e eu não vibrei. Ela terminou, as luzes acenderam, Eddie pegou um papel para ler e todos nós estávamos esperando ele falar algo da guitarra que o Serjão deu a ele. Nossa amiga Daniella começou a filmar um pouco atrás de mim e ela quem diz "ai, meu Deus" e não eu, como tantos pensaram. Eu não consegui dizer nem pensar quase nada, mas lembro do toque da Lívia nos meus ombros neste exato momento aqui:



O que eu lembro bem é de as minhas pernas tremerem muito, do meu coração disparar e de eu me arrepiar inteira. Todas as demais sensações ficaram naquele momento, na eternidade daqueles 5 minutos entre a dedicatória e execução de Given to fly. Eu sempre me arrepio ouvindo GTF, sempre. São mais de 15 anos me arrepiando com ela, mas nada parecido com aquela noite. E após o show foram tantos abraços emocionados, tantos olhos lacrimejados, tanto amor que eu e PR recebemos. Mais uma razão mágica disso ter acontecido em Sâo Paulo, foram  tantos amigos queridos que só puderam ir naquele show, o Rapha e a Ju, Syl e Dake, Ederson e Raquel....

E depois de tanto insistir, desejar e acreditar durante a turnê inteira que eles tocariam Light Years pra Cauê e eles não tocarem, eu tive uma conversa com a Pri (a minha amiga que fez o video original) e entendi que aquela turnê era pra mim. Eu levei uma foto pequena do Cauê dentro da capa do meu celular em todos os shows, eu o beijei em todos os shows, olhei para o céu e falei com ele em cada música especial, eu queria muito homenageá-lo com LY, mas eu entendi....ele não precisava mais de homenagens. Ele só precisava - e precisa - da minha serenidade, da minha paz, amor e que eu fique bem. Ele sabia - e sabe - que eu quem precisava da força, energia e amor do Pearl Jam para me ajudar a seguir em frente e ficar "pronta pra voar".

Essa não foi a primeira vez que o Cauê me deu sinais de que está bem, que está próximo de mim e do quanto o nosso amor e cuidado um com o outro continua existindo. Essa turnê e o recado do Eddie só reforçaram isso aqui dentro do meu peito. Assim como o Jeff percebeu, o amor e a dor continuam fortes por aqui, mas sem esses shows e todo o carinho que recebemos deles e dos amigos que eles nos deram em todos esses anos, a nossa longa jornada seria muito mais difícil para caminhar

E o amor que eu recebi está salvo, Dan, Eydinho, Aya, Iza....todos que estiveram com a gente nessa turnê tão incrível, o amor de vocês está salvo. Especialmente o nosso amor por Cauê e o dele por nós. Para sempre, salvo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Liberte me



Em 2011, na última noite antes de viajar pra São Paulo para o início da turnê do Pearl Jam e diante de todo o impasse dos meus sentimentos por PR, eu orei a Deus através de uma música da banda muito importante pra mim: release. Release me ou liberte me foi escrita pelo Eddie para o pai biológico dele, numa história real que mais parece ficção de tão forte e triste que é. Eu, assim como o Eddie, queria muito me libertar das dores do passado e clamei por libertação. E coincidência ou não, essa foi a primeira música que eles tocaram no meu primeiro show do Pearl Jam.

Amanhã eu viajo pra São Paulo e hoje eu acordei no meio da madrugada porque, pela primeira vez, eu sonhei com Cauê. Eu o vi num balanço, no colo de alguém que eu não consegui ver quem era, numa praia, com o body do Pearl Jam que o vesti pela última vez. Ele estava lindo, saudável, cheio de crianças e bebês ao seu redor e estava tocando uma música que eu não identifiquei de primeira qual era. Eu me aproximei um pouco mais, não sei porque eu não consegui chegar tão perto, mas eu ouvi....era release. 

Acordei bem na hora, já chorando e de imediato eu me angustiei porque eu não pude tocá-lo. Eu já me desesperei muito precisando tocar nele, cheirar ele, beijá-lo. Eu luto diariamente pela libertação dessa necessidade física que tanto me perturba e que eu sei que pode perturbá-lo também. Então eu chorei, respirei fundo, coloquei release pra tocar e fui orar e agradecer. Novamente um dia antes de viajar pra turnê. Novamente num clamor de libertação, mas agora num contexto muito, muito diferente. Eu não quero nem jamais me "libertarei" do meu filho, pois nós estamos unidos para sempre por opção e esse amor não é de agora. 

O que eu preciso me libertar é do físico. Eu preciso me libertar da maternidade física que me foi brutalmente interrompida. Eu preciso me libertar do desejo de tê-lo como nunca mais terei. Eu preciso aprender a "maternar" espiritualmente. Eu preciso me contentar em tê-lo, apenas, nas mais bonitas memórias do meu coração e o principal, eu preciso verdadeiramente libertar Cauê para que ele não sinta a minha dor e sim, somente, o meu amor.

" Esperarei pra ver onde isso vai me levar, vou me soltar, liberte-me....."

E o Pearl Jam tem me ajudando muito nisso. Quem me conhece sabe que eles são muito mais do que uma banda de rock pra mim. O Pearl Jam norteia a minha vida, os meus pensamentos e sentimentos, a minha maneira de lidar com o que eu sinto desde os meus 16 anos. Foram eles que me disseram que "não importa quão frio é o inverno, há uma primavera adiante", que "como eu escolho me sentir é como eu sou" e  que "o futuro está pavimentado com dias melhores". Essas são apenas algumas das bússolas que me guiaram nos momentos que eu mais precisei de força e fé.

Em 2011 eu voltei pra casa uma nova Sandryne após a turnê. Não só por tudo que eu vivi com PR, mas especialmente por eu te conseguido me permitir ,verdadeiramente, voltar a viver. Eu sei que na volta desta turnê eu também estarei diferente. A energia dessa banda é vital pra mim. Sempre será. Porém, eu estou consciente do caminho que eu preciso percorrer e de que o PJ não é a minha tábua de salvação nem me colocará no colo e viverá isso por mim. O que eles farão é segurar na minha mão e caminhar comigo tornando o percurso musical, lúdico e cheio de liberdade e amor. Ou melhor, eles já fazem isso. A - grande - diferença é que dessa vez, mais uma vez, será ao vivo.