domingo, 27 de dezembro de 2015

"Como eu escolho me sentir é como eu sou"

Sem a menor sombra de dúvidas, 2015 foi o ano mais difícil da minha vida, mas não, ele não foi o pior. Pra ser sincera, até hoje, não houve o "pior ano da minha vida" e, com fé em Deus, não haverá. Talvez porque como disse o Mike, guitarrista do Pearl Jam, ao escrever a música inside job (aqui no Brasil, inclusive), "como eu escolho me sentir é como eu sou". E por mais que as circunstâncias e mistérios da vida tenham me levado a sentir a pior dor do mundo esse ano, eu não seria justa e verdadeira se escolhesse sentir e resumir 2015 unicamente a sofrimento. 

Voltando um pouco no tempo, na noite de natal de 2014, exatos 30 dias do nascimento do Cauê, eu estava muito abalada e meu pai me fez uma promessa que norteou a minha imaginação e fantasia por todo esse ano. Ele me disse que no natal de 2015 Cauê estaria com a gente em casa e que ele montaria uma árvore de natal só para o neto e que ninguém diria "não" quando ele mexesse na árvore, estaria tudo liberado pra ele fazer o que quisesse. E eu imaginei tanto essa cena , de tantas formas e como eu sorri sozinha pensando nisso. Aquilo era a cara de painho e eu passei a sonhar dentro daquela UTI, quase todos os dias, com o que seria a "cara" do Cauê naquele momento. A noite de natal desse ano chegou e a sensação que ela me causou foi muito pior do que eu pensei, uma dor profunda dilacerou a minha alma e eu estraguei o natal da minha família com a minha tristeza e uma crise de choro incontrolável. 

No dia 25, eu ainda estava meio dopada de remédios, mas passei o dia quieta e consegui meditar, refletir e me esforcei pra fazer uma listinha mental do que me alegrou durante esse ano, do que a vida me trouxe,  do que ficou e dos ensinamentos que eu tive através da experiência de ser mãe de UTI de um bebê prematuro extremo e da perda desse filho . E por mais lágrimas que tenham rolado em meu rosto por causa desses pensamentos, eu percebi que muita coisa bonita veio na memória do meu coração, mais até do que imaginei. São os bons momentos que eu tive com o meu bebê lindo e as pessoas que quiseram verdadeiramente ficar ao meu lado que estão essencialmente vivas em minhas lembranças.

Naturalmente eu lembrei e sofri pelo que eu perdi. E eu perdi muito. Eu perdi sonhos, planos, expectativas e além de ter perdido, fisicamente, o Cauê, eu "perdi" outras pessoas que eram muito valiosas pra mim nesse ano. Relações que eu acreditei por toda uma vida que eram fortes, verdadeiras e que eu só descobri quando eu mais precisei que não eram nada daquilo. E como isso me machucou, como doeu! E ainda dói. Mas nessa meditação eu vi tão mais claramente o outro lado, o lado de colegas que viraram grandes amigos tamanha coragem, presença e disponibilidade e de amigos que se tornaram verdadeiros irmãos diante de tanto amor dispensado sem nenhum pedido realizado.

O fato é que eu sou muito mais humana do que pensam, muito menos forte - e mais insegura - do que imaginam e todos os minutos, todas as horas, todos os dias eu me esforço para seguir sem revoltas, sem questionamentos, sem vitimização. Se eu posso escolher como eu vou me sentir, eu não consigo sempre, mas eu procuro escolher me sentir em paz. Eu procuro escolher confiar em Deus e nos seus propósitos, eu escolho acreditar que não era pra ser, eu escolho acreditar que eu não fiz nada de errado ou que eu fiz tudo que era possível. Eu escolho acreditar que ele está bem e que eu, um dia, também conseguirei ficar, mesmo sem ver isso hoje como uma possibilidade real. Eu escolho ter fé em Deus e esperança no amanhã.

E por falar em esperança no amanhã, esse ano algumas pessoas, sentimentos e acontecimentos se materializaram em forma de esperança pra mim. O sorriso e a sensação de tocar, cheirar, beijar o Cauê ; o amor sublime e incansável da minha mãe e do meu marido; o amor e a proteção indispensáveis da minha irmã; a surpresa de uma colega que não virou amiga, ela foi direto ao meu coração como irmã, Aninha; a paz que as notícias de Luciana me davam; a emoção de assistir o vídeo do Cauê feito pela Pri; as iniciativas do Vinícius e do Luiz e a mobilização que isso causou; a chegada do Dionísio na minha vida como algo que, definitivamente, me salvou da amargura e depressão ; a saúde do meu pai ; o nascimento de Clara (filha de Camis e Arthur) ; a turnê do Pearl Jam e as palavras do Eddie ao dedicar Given to fly para mim. Um filme passou pela minha cabeça quando eu escolhi lembrar do que foi bom, mas foram essas as lembranças que mais me trouxeram amor, paz, alegria e gratidão.

Definitivamente, eu não posso ter vivido e sentido tudo isso e ainda assim classificar esse ano como o pior da minha vida. Claro que se eu fizer uma lista do que foi ruim, um  único texto seria pouco, mas como eu escolho me sentir é como eu sou, não é? E não, eu não quero fazer isso. E não é porque eu sou uma pessoa evoluída espiritualmente como insistem em dizer, eu me acho imatura até, é simplesmente porque lembrar do que foi ruim vai doer e a vida muitas vezes não me deu a chance de escolher se eu queria sentir dor ou não. Então se eu posso escolher, não, eu não quero sentir essa dor.

Em 2015 estão as minhas melhores lembranças com o Cauê e por isso eu não desejo que ele acabe logo e muito menos quero esquecê-lo. Eu só preciso de um tempo para não sentir mais dor pelas lembranças ruins desse ano, pelo que eu tive que desconstruir, pelo que perdi, exceto a perda do Cauê, pois esta, eu sei, é uma dor impossível de superar. Porém, suportá-la com mais serenidade e liberdade é um desejo que eu farei de tudo para conquistar. E que 2016 me traga mais paz interior, força e coragem. Que eu consiga ter a harmonia necessária para iluminar os meus pensamentos e as minhas ações para tocar a vida em frente com amor. Por mim, por PR, pelos meus pais e irmãos, pelos meus verdadeiros amigos e reais familiares e especialmente pelo Cauê, pela paz que ele precisa sentir em mim para seguir o caminho dele também, afinal o nosso elo não se partiu.

Eu confio em você, 2016. Confia em mim, meu filho. Ainda assim, obrigada, 2015.




terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O amor que recebemos está salvo

E mais uma vez a turnê do Pearl Jam aconteceu numa fase muito importante da minha vida, mais uma vez ela foi um verdadeiro divisor de águas pra mim. Por isso, eu pensei muito como eu deveria escrever sobre ela aqui no blog. Dias tão mágicos, tão intensos. Quais os detalhes que eu deveria deixar guardado aqui? O que eu consigo realmente compartilhar, escrever, sem deixar o texto absurdamente extenso ou cansativo?! É um verdadeiro desafio, mas é um desafio bom e que eu decidi deixar rolar com o que vier de mais forte daqui de dentro, bem do coração.

Esse ano, por questões óbvias, eu demorei pra entrar no clima da turnê. Em 2011, três meses antes eu já estava pilhada, ansiosa. Dessa vez, eu não consegui entrar tão cedo no clima. Porém, poucos dias antes de viajar, eu não comentei isto com ninguém, mas eu comecei a sentir muito forte que algo especial aconteceria, mas dentro de mim, esse "especial" seria a banda tocar Light Years dedicada ao Cauê. Mas o fato é que eu não sabia que antes da turnê começar, diversas pessoas e energias já estavam tentando e vibrando para que esse "algo especial" acontecesse, mas o que rolou na noite do dia 14 de novembro de 2015 foi algo que eu nunca, nesses 17 anos como fã, sonhei que fosse possível.

E foi possível em São Paulo. Cidade que, também por questões óbvias, é muito importante pra mim. Na verdade, antes de eu conhecer PR, quando eu estive lá pela primeira vez, eu me apaixonei de cara. E foi lá, em novembro de 2011, que eu conheci o grande amor da minha vida, foi lá que eu vi o Pearl Jam ao vivo pela primeira vez, foi lá que eu fiz alguns dos maiores e verdadeiros amigos que eu tenho. E foi lá, dessa vez em novembro de 2015, que o Pearl Jam dedicou Given to fly pra mim, com um texto escrito pelo Eddie e com palavras ditas em português, repletas de força e amor, numa noite que eu jamais esquecerei.

Tudo começou quando, sem combinar nada entre eles, nossos amigos Dan, Eydinho, minha irmã Soraya e minha amiga Izabely tentaram levar a nossa história com o Cauê até o Pearl Jam. A única coisa que eles tinham em comum era a vontade de que algo especial acontecesse na turnê pra gente, sem nenhum deles saber ao certo o quê.

Dan é nosso amigo, fã do Pearl Jam, cinegrafista profissional e amigo do Jeff Ament (baixista do Pearl Jam). Ele disse pra mim que "naturalmente" teve vontade de fazer isso. Daí ele pegou o video em homenagem ao Cauê (feito pela Pri) e que tem 8 minutos, editou para quase 3 minutos numa sensibilidade impressionante, colocou legendas em inglês, acrescentou outras fotos e enviou o video por e-mail para o Jeff contando a nossa história. A música que toca no video é Given to Fly e por isso o PJ dedicou ela pra mim. A versão do vídeo feita pelo Dan ficou muito linda e emocionante:



Eydinho (ou Eyder, como o Eddie fala no vídeo) é meu amigo de infância, ele quem me deu o meu cachorro, Dionísio. Ele disse que teve um "estalo" meio que do nada, não conhecia o Ten Club (fã clube oficial do Pearl Jam), mas pesquisou, encontrou eles e escreveu em poucas linhas sobre nós informando o link desse blog e da minha página no facebook. O mais mágico nisso é que o 10C recebe milhares de e-mails diariamente (especialmente durante uma turnê), pois o Pearl Jam é uma banda muito grande. E mais, ele enviou o e-mail poucos dias antes do show de São Paulo e quando os caras já tinham começado a turnê na América Latina. O e-mail tinha tudo pra ser só mais um pedido, mas não foi. É porque, definitivamente, tinha que acontecer.

Minha irmã e minha amiga Iza tentaram juntas contato com o produtor do Pearl Jam no Brasil e enviaram diversos e-mails pelo site da banda, além do texto contando detalhadamente a nossa história para canais de televisão como o Multishow e programas da Globo. Não deu certo por esses caminhos, mas eu tenho certeza que a energia delas contribuiu e muito para esse desfecho tão incrível.

O que sabemos é que o e-mail de Eydinho chegou até a banda mais ou menos na mesma época em que o Jeff respondeu o e-mail do Dan . E ele me mostrou a resposta do Jeff que dizia algo como: " Nossa, quanta dor e quanto amor". Só que, certamente, o Jeff mostrou o video para o Eddie como um material enviado por um amigo brasileiro ( por isso não foi dito o nome do Dan) e junto com o e-mail do Eydinho e o meu nome pouco comum, eles identificaram que era a mesma história, a mesma pessoa e dedicaram a música do vídeo.

Porém, pra mim, o maior responsável por essa história toda foi o Cauê.  Esse "estalo" e esse "naturalmente" que o Eydinho e o Dan falaram se chama Cauê. Pra mim, é muito claro que ele quem inspirou todas essas pessoas a se mobilizarem. Pra mim, ele quem inspirou o Eddie a parar, pensar, sentar e escrever tudo aquilo. Ele poderia simplesmente ter dedicado a música e ponto. Mas não, ele quis oferecer "amor e apoio enquanto eu recupero a esperança no amanhã". Eu passei dias refletindo sobre tudo isso, especialmente sobre o "enquanto". Eddie não me conhece, mas mostrou que acredita em mim quando disse "enquanto". Ele acredita que eu vou me recuperar, que eu não vou desistir, que eu não vou me entregar...Cauê soprou isso no coração dele, pois ele sim me conhece muito bem.

Só quem conhece o Pearl Jam, sua equipe de produção e características sabe o quanto isso é pouco comum, o quanto isso tudo foi surreal. E duas músicas antes de Given to Fly rolar, eles tocaram uma música linda, porém triste e que o Eddie fez para o seu amigo Johnny Ramone quando ele morreu. Come back é uma música um tanto que evocativa e eu não quis cantá-la porque eu sabia que chamaria pelo Cauê em pensamento e não seria bom. Eu fiquei a música inteira abraçada com PR e nós dois choramos muito. Foi tão difícil aquele momento que eu cheguei a lamentar por eles terem tocado, pois eu fiquei verdadeiramente mal. Swallowed whole, a música que rolou em seguida, é uma das minhas preferidas do último álbum, era a primeira vez que eu a ouvia ao vivo e eu não vibrei. Ela terminou, as luzes acenderam, Eddie pegou um papel para ler e todos nós estávamos esperando ele falar algo da guitarra que o Serjão deu a ele. Nossa amiga Daniella começou a filmar um pouco atrás de mim e ela quem diz "ai, meu Deus" e não eu, como tantos pensaram. Eu não consegui dizer nem pensar quase nada, mas lembro do toque da Lívia nos meus ombros neste exato momento aqui:



O que eu lembro bem é de as minhas pernas tremerem muito, do meu coração disparar e de eu me arrepiar inteira. Todas as demais sensações ficaram naquele momento, na eternidade daqueles 5 minutos entre a dedicatória e execução de Given to fly. Eu sempre me arrepio ouvindo GTF, sempre. São mais de 15 anos me arrepiando com ela, mas nada parecido com aquela noite. E após o show foram tantos abraços emocionados, tantos olhos lacrimejados, tanto amor que eu e PR recebemos. Mais uma razão mágica disso ter acontecido em Sâo Paulo, foram  tantos amigos queridos que só puderam ir naquele show, o Rapha e a Ju, Syl e Dake, Ederson e Raquel....

E depois de tanto insistir, desejar e acreditar durante a turnê inteira que eles tocariam Light Years pra Cauê e eles não tocarem, eu tive uma conversa com a Pri (a minha amiga que fez o video original) e entendi que aquela turnê era pra mim. Eu levei uma foto pequena do Cauê dentro da capa do meu celular em todos os shows, eu o beijei em todos os shows, olhei para o céu e falei com ele em cada música especial, eu queria muito homenageá-lo com LY, mas eu entendi....ele não precisava mais de homenagens. Ele só precisava - e precisa - da minha serenidade, da minha paz, amor e que eu fique bem. Ele sabia - e sabe - que eu quem precisava da força, energia e amor do Pearl Jam para me ajudar a seguir em frente e ficar "pronta pra voar".

Essa não foi a primeira vez que o Cauê me deu sinais de que está bem, que está próximo de mim e do quanto o nosso amor e cuidado um com o outro continua existindo. Essa turnê e o recado do Eddie só reforçaram isso aqui dentro do meu peito. Assim como o Jeff percebeu, o amor e a dor continuam fortes por aqui, mas sem esses shows e todo o carinho que recebemos deles e dos amigos que eles nos deram em todos esses anos, a nossa longa jornada seria muito mais difícil para caminhar

E o amor que eu recebi está salvo, Dan, Eydinho, Aya, Iza....todos que estiveram com a gente nessa turnê tão incrível, o amor de vocês está salvo. Especialmente o nosso amor por Cauê e o dele por nós. Para sempre, salvo.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Liberte me



Em 2011, na última noite antes de viajar pra São Paulo para o início da turnê do Pearl Jam e diante de todo o impasse dos meus sentimentos por PR, eu orei a Deus através de uma música da banda muito importante pra mim: release. Release me ou liberte me foi escrita pelo Eddie para o pai biológico dele, numa história real que mais parece ficção de tão forte e triste que é. Eu, assim como o Eddie, queria muito me libertar das dores do passado e clamei por libertação. E coincidência ou não, essa foi a primeira música que eles tocaram no meu primeiro show do Pearl Jam.

Amanhã eu viajo pra São Paulo e hoje eu acordei no meio da madrugada porque, pela primeira vez, eu sonhei com Cauê. Eu o vi num balanço, no colo de alguém que eu não consegui ver quem era, numa praia, com o body do Pearl Jam que o vesti pela última vez. Ele estava lindo, saudável, cheio de crianças e bebês ao seu redor e estava tocando uma música que eu não identifiquei de primeira qual era. Eu me aproximei um pouco mais, não sei porque eu não consegui chegar tão perto, mas eu ouvi....era release. 

Acordei bem na hora, já chorando e de imediato eu me angustiei porque eu não pude tocá-lo. Eu já me desesperei muito precisando tocar nele, cheirar ele, beijá-lo. Eu luto diariamente pela libertação dessa necessidade física que tanto me perturba e que eu sei que pode perturbá-lo também. Então eu chorei, respirei fundo, coloquei release pra tocar e fui orar e agradecer. Novamente um dia antes de viajar pra turnê. Novamente num clamor de libertação, mas agora num contexto muito, muito diferente. Eu não quero nem jamais me "libertarei" do meu filho, pois nós estamos unidos para sempre por opção e esse amor não é de agora. 

O que eu preciso me libertar é do físico. Eu preciso me libertar da maternidade física que me foi brutalmente interrompida. Eu preciso me libertar do desejo de tê-lo como nunca mais terei. Eu preciso aprender a "maternar" espiritualmente. Eu preciso me contentar em tê-lo, apenas, nas mais bonitas memórias do meu coração e o principal, eu preciso verdadeiramente libertar Cauê para que ele não sinta a minha dor e sim, somente, o meu amor.

" Esperarei pra ver onde isso vai me levar, vou me soltar, liberte-me....."

E o Pearl Jam tem me ajudando muito nisso. Quem me conhece sabe que eles são muito mais do que uma banda de rock pra mim. O Pearl Jam norteia a minha vida, os meus pensamentos e sentimentos, a minha maneira de lidar com o que eu sinto desde os meus 16 anos. Foram eles que me disseram que "não importa quão frio é o inverno, há uma primavera adiante", que "como eu escolho me sentir é como eu sou" e  que "o futuro está pavimentado com dias melhores". Essas são apenas algumas das bússolas que me guiaram nos momentos que eu mais precisei de força e fé.

Em 2011 eu voltei pra casa uma nova Sandryne após a turnê. Não só por tudo que eu vivi com PR, mas especialmente por eu te conseguido me permitir ,verdadeiramente, voltar a viver. Eu sei que na volta desta turnê eu também estarei diferente. A energia dessa banda é vital pra mim. Sempre será. Porém, eu estou consciente do caminho que eu preciso percorrer e de que o PJ não é a minha tábua de salvação nem me colocará no colo e viverá isso por mim. O que eles farão é segurar na minha mão e caminhar comigo tornando o percurso musical, lúdico e cheio de liberdade e amor. Ou melhor, eles já fazem isso. A - grande - diferença é que dessa vez, mais uma vez, será ao vivo.


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

"Esse é só o começo do fim das nossas vidas...."


Eu ainda não sei bem o porquê, mas há algumas semanas uma grande amiga minha de Brasília, a Iza, me pediu para escrever para ela a minha história com PR. Eu escrevi, enviei o texto e hoje, 4 anos que tudo começou, eu resolvi deixar ela aqui guardadinha e registrada para celebrar este que "é só o começo do fim das nossas vidas".

Tudo começou em julho de 2011 quando o Pearl Jam anunciou a turnê no Brasil. Nessa época, fazia dois anos que o meu namorado, com quem eu fiquei por onze anos, havia falecido. Eu estava bem, mas faltava um empurrão final para eu mudar, de verdade, a minha vida. Com o anúncio dos shows e, finalmente, a possibilidade financeira de realizar o meu sonho, eu tive certeza de que aquela viagem seria muito, muito especial . Poucas semanas depois, eu escrevi para um grupo de fãs na internet para me informar sobre algumas questões práticas dos locais dos shows, afinal eu sairia sozinha de Recife para cincos shows pelo Brasil em cidades pouco ou nunca conhecidas. Foi aí que eu conheci PR, um dos moderadores do grupo, que era de São Paulo e, assim como eu, fã há mais de uma década do Pearl Jam. 

Começamos a conversar por e-mail, depois por MSN, telefone, Skype, até que um dia eu enviei uma lembrancinha para ele e outros colegas que eu fiz no grupo de fãs do Facebook. Eles se reuniram para um churrasco pré turnê e eu havia encomendado uns bottons pra colocar na minha mochila e mandei alguns pra eles. Como eu enviei os bottons para PR ( e não para outro membro do grupo) para entregar aos demais, a partir daí começaram a desconfiar - e brincar - se a nossa relação era só amizade mesmo. Até aí era. Eu já tinha até falado do meu namorado para PR, pois Davi também era fã do Pearl Jam, e PR foi super respeitoso e amigável comigo. Só que depois do envio dos bottons, PR começou, de forma discreta, a falar de outros assuntos comigo além da turnê, e foi, literalmente, me envolvendo com o seu jeito leve e bem humorado de ser. 

Até que em outubro, no meu aniversário de 30 anos, ele e uma parte dos amigos que eu fiz através do grupo me fizeram esta surpresa linda abaixo. Um video feito com tanto amor, tanto carinho e com a música que marcou uma transição muito importante pra mim. O video passou no telão da casa de festas porque PR falou com a minha amiga, Dani, para dar um jeito de eu assistir lá. Deu muito certo e foi a homenagem, o presente mais bonito e especial que eu recebi em toda a minha vida.



Depois disso não teve mais jeito. Eu já estava encantada com PR e ele apaixonado por mim, mas eu ainda estava muito confusa com os meus sentimentos e a paciência e compreensão de PR com o meu passado foram fundamentais. Até que chegou novembro e com ela a turnê. E no dia 02 de novembro de 2011, no aeroporto de Congonhas, PR foi me buscar e a primeira palavra que dissemos um ao outro quando finalmente nos vimos pessoalmente foi: nenhuma palavra. Ele simplesmente me beijou e a nossa história começou, efetivamente, ali. Mas foi no outro dia, no primeiro show do Pearl Jam, no dia 03/11/11 que PR me ganhou de vez.

Numa das vezes que conversamos, eu falei pra PR que a minha música com Davi era Black, música que conhecemos no início do nosso namoro, aos 16 anos. E durante todo o show, PR me protegeu do empurra empurra natural de um concerto de rock e ficamos juntos, curtindo até que eles tocaram Black. E foi assim que sem combinar, sem eu pedir, PR naturalmente me soltou. Ele entendeu que aquele momento era meu e de uma história só minha e mesmo sentindo de alguma forma, ele me deixou livre. E eu cantei, me emocionei e quando a música terminou, eu beijei uma foto de Davi que eu levei no bolso da calça e soltei ela lá. Eu senti que finalmente estava pronta para seguir a minha vida e me abrir para um novo amor. E foi ali que eu tive a certeza de que eu queria tentar, eu queria tentar com ele. E essa foi a única vez que "precisamos" ouvir Black separados. Desde esse show, tudo ficou muito bem resolvido dentro de mim.

Curtimos a turnê inteira juntos, viajamos para Curitiba, Rio de Janeiro e Porto Alegre e de lá eu fui para o show do Pearl Jam no Chile e ele voltou pra São Paulo. Até que na despedida, nós choramos. Eu já estava apaixonada, ele ainda mais e nós não sabíamos o que fazer com os nossos sentimentos e a distância Recife / São Paulo. Fui para o Chile, liguei pra ele de lá todos os dias e ao voltar pra casa, nós decidimos passar o reveillon juntos. Fui pra São Paulo, passei uma semana lá, conheci sua família e nos conhecemos melhor.

No carnaval de 2012 ele veio para Recife, conheceu a minha família, os meus amigos e até então, a gente não tinha oficializado que estávamos namorando. Eu tinha medo da distância, eu tinha medo de me envolver e ele, como sempre, paciente e respeitando o meu tempo. Até que a minha incerteza e insegurança o afetaram e ele se afastou de mim na tentativa de eu me entender melhor. E nesse afastamento e com o "esporro" de uma grande amiga nossa, a Clau - que foi madrinha de nosso casamento -  eu percebi que ele já fazia muito mais parte da minha vida do que eu imaginava. E como a nossa história começou pela internet, sem ele saber, eu dei a resposta do pedido de namoro por lá e atualizei o meu status de relacionamento no Facebook. Pronto, agora era pra valer.

Daí em diante foram muitas viagens para São Paulo e Recife e muitas conversas sobre o nosso futuro. Até que no dia 17 de abril de 2013, ele largou emprego, família e amigos em São Paulo e veio morar comigo em Recife sem nenhum trabalho em vista. Mudamos para a nossa casa em maio e nos casamos em março de 2014. Foi aí que num primeiro e único vacilo, nós engravidamos um mês após o casamento, mas o nosso filho nasceu prematuro extremo com 760g e 31 cm, em novembro de 2014. Novamente, o tão importante mês de novembro. Cauê lutou por 157 dias numa UTI neonatal, mas a sua missão com a gente era curta, porém muito forte e intensa.

Por tudo o que vivemos e ainda estamos vivendo, especialmente nessa fase de recuperação e transformação do luto, eu só tenho a agradecer a Deus, ao Pearl Jam e ao universo por esse encontro tão especial, por esse cara tão parceiro, amável e incrível que eu tenho a sorte e a benção de ter ao meu lado. Agora em 2015, novamente em novembro, o Pearl Jam está de volta. Mais uma turnê juntos, agora casados, e ambos precisando de toda a energia que só o quinteto de Seatlle pode nos proporcionar. E nós dedicaremos essa turnê ao Cauê, com o desenho do "Stickbaby angel" estampado em nossas camisas e com um cartaz pedindo pra que eles toquem Light Years para o nosso bebê lindo. Será um presente muito especial, pois Cauê faria um ano exatamente dois dias após o último show da turnê. E eu sinto bem dentro do meu coração que eles vão tocar LY pra ele. Nós temos fé, esperança e amor, muito amor. E ele só cresce, há quatro anos ele só cresce.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Attraversiamo

Eu nunca ganhei nada de “mão beijada” na minha vida.  O pouco que eu tenho de bens materiais ou tudo que eu fiz relacionado a isso veio do meu esforço e da minha força de vontade para conseguir. E eu não lamento ou me orgulho disso. Absolutamente nem um nem outro. É só uma constatação que, de alguma forma, um dias desses me ajudou numa analogia.

Semana passada, antes de meditar, eu fui ler o Evangelho segundo o Espiritismo e abri aleatoriamente na passagem “vinde a mim tu que estais cansados e aflitos que eu vos aliviarei”, que na Bíblia é no livro de Mateus. E há algumas semanas, na oficina de meditação e estudos budistas que eu tô fazendo, a Leila (linda), nossa instrutora, falou que quando nós damos um único passo a caminho da iluminação,  Buda dá mil passos até nós. Bingo! Eu relacionei os dois ensinamentos na mesma hora.

É que pra mim, tanto Jesus quanto Buda são super gente boa, gentis e agradáveis. Eles não forçam a barra pra nada. Jesus não disse que iria até os cansados e aflitos. Ele disse “vinde a mim”. O Buda não dará mil passos até você antes de você dar o primeiro até ele. Ou seja, a paz está ali, a liberdade da mente também, quer pra tu? Então se chegue, meu filho. Tudo bem, eu sei que eles não falariam tão “nordestinamente” assim, mas a ideia é essa. O primeiro passo é meu. O esforço é meu. A liberdade é minha. A escolha é minha. A vivência da paz também.

E ao relacionar os dois ensinamentos, eu me lembrei do tanto que eu caminhei pra chegar onde eu estou. Os primeiros passos sempre foram meus. Deus, o universo e todos os espíritos amigos e bodisatvas estiveram me guiando, protegendo, cuidando e iluminando até aqui. E continuarão se eu também continuar. E vão parar, respeitar e me esperar se eu também parar. Mas nada cairá do céu, nunca caiu, lembra? Eu preciso ir buscar.

Por isso, eu estou muito empenhada no estudo do espiritismo, do budismo tibetano, fazendo terapia, acupuntura, tratamento com floral e meditando, sozinha e em grupo, em busca do entendimento e da serenidade que eu tanto preciso para caminhar. Por um momento, eu até questionei se, talvez, eu estaria "atirando para todos os lados", mas o meu anjinho de guarda me disse que não. Eu senti bem dentro do meu coração que o que eu estou fazendo é buscando ajuda de todas as formas.

Eu reconheço, e muito, que eu preciso de amparo e eu sei que estou saciando a minha sede nas fontes certas. Eu estou dando o primeiro, segundo, terceiro passo, me esforçando para não alimentar a tristeza, desenvolvendo a liberdade real da mente através dos meus pensamentos e das paisagens que eu crio e fazendo as minhas escolhas em busca da paz, ou melhor, em busca da vivência dessa paz que está dentro de mim. O desafio é conseguir usufruir, plenamente, dela.

Deus, Buda, minha família núcleo, meu marido, meus amigos verdadeiros, Dionísio, o Pearl Jam, todos tem me ajudado tanto nessa jornada, mas nenhum deles pode fazer nada por mim se eu não fizer primeiro. O amor é o que me move. O meu amor por Deus, por Cauê, por quem ficou e o meu amor por mim, pelo meu compromisso com a minha evolução e iluminação. Por mais difícil que isso seja, e é muito, eu tenho a responsabilidade pelo conhecimento adquirido e acima de tudo, eu tenho a liberdade de decidir que é preciso continuar. Como dizia a minha querida Liz,  "attraversiamo" ou vamos atravessar?! Vamos sim, vamos atravessar.


Namastê.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Um lugar bonito, leve e colorido



Eu conheci o trabalho da ilustradora mineira, Amanda Mol, há alguns anos. Numa coincidência super feliz, no dia do meu casamento, eu ganhei um quadro da fofa da minha fotógrafa com uma grafia especial de um trecho da minha música com PR (Satellite, do Eddie Vedder), feito pela Amanda. Meses depois, eu vi no site da Amanda que ela estava fazendo ilustrações de pessoas reais, de fotos e aí desejei uma no mesmo instante. Quando eu engravidei, um dia eu pensei que quando o Cauê tivesse uns 9, 10 meses, eu tiraria uma foto linda dele sorrindo e pediria para Amanda ilustrar.

Não deu pra ser assim. Por desconhecidas e doloridas razões, não foi possível. Mas quando eu decidi fazer a minha parede afetiva de tijolos, numa tentativa de dar novos ares lá em casa  e realizar um desejo antigo, eu voltei a pensar na Amanda e em suas ilustrações. E foi aí que eu olhei para a única foto que eu e PR temos beijando o nosso filho e tive a certeza de que seria aquela a imagem para eternizarmos em nosso lar.


Eu escrevi para Amanda, contei um pouco da nossa história e pedi a ela que nos levasse a lugar bonito, leve e colorido onde nós três nunca tivemos a chance de estar. Eu não queria mudar a essência da foto, eu queria acrescentar luz. Afinal, a nossa vida foi dentro daquela UTI e tudo que nós vivemos com o Cauê foi ali. A bata branca fazia parte da nossa rotina, mas eu queria dar vida a ela. A sonda nasogástrica fazia parte da alimentação do Cauê, mas eu queria deixá-la lúdica. O uso das luvinhas era obrigatório, mas eu queria um charme diferente nelas.

E foi aí que eu sugeri as ideias de as nossas batas ganharem cor, da sonda virar um canudinho e das luvinhas se tornarem luvinhas de boxe, afinal, aquele pequeno bebê foi um grande, um grande lutador. O stickbaby angel compôs a ilustração, assim como a expressão " bebê lindo", a forma como eu chamava o Cauê e a frase "your light made us star" da música Light Years, do Pearl Jam, que para mim e PR se tornou a canção símbolo da vida do nosso filho.

Amanda e sua assistente, a Ana, não só entenderam e acataram cada pedido meu, como foram muito sensíveis a nossa história e muito carinhosas com a gente. Quando eu vi a ilustração pronta, eu não me contive e chorei muito, uma emoção enorme tomou conta de mim. Finalmente, eu, PR e Cauê estávamos juntos num lugar bonito, leve e colorido, uma ilustração cheia de vida e que me transmitiu muita paz e amor. Esteticamente poderia até ficar melhor sem a sonda no nariz do Cauê e sem as batas na gente, mas nós éramos assim e eu vejo beleza em tudo que envolve o meu bebê lindo, até mesmo nisso.

Agora a nossa parede de tijolos está completa: tem o enfeite da porta da maternidade do Cauê, a árvore de digitais do nosso casamento, o meu buquê, uma foto linda do Dionísio, uma prancheta com fotos dos membros do Pearl Jam, o símbolo da turnê do Pearl Jam de 2011 (quando eu e PR nos conhecemos), a nossa foto preferida, alguns itens de decoração e amor e o principal, o quadro com a ilustração de nós três num lugar bonito, leve e colorido.

Pequenos passos que damos todos os dias. Pequenas escolhas que fazemos com força e alegria a caminho da felicidade. Mudanças aparentemente externas e tão pequenas, mas com significado e afeto internos e eternos. Eterno do tamanho do amor que sempre unirá os corações de nós três.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Meditação e ação

Um dia eu li um texto que dizia que oração é quando queremos falar com Deus e que a meditação é quando damos a chance de escutá-lo. Hoje eu posso dizer que, pra mim, ela é exatamente isso. A meditação não é bem uma novidade na minha vida, mas há pouco mais de três meses eu decidi praticá-la em grupo e através do estudo de uma nova e surpreendente paixão: o budismo tibetano.

Eu sempre fui uma pessoa muito prática, de resolver mil coisas ao mesmo tempo e sempre dei conta disso numa boa. Foi assim quando trabalhei com produção de cinema, produção de festivais de música e nos diversos tipos de trabalho que eu tive desde quando comecei na labuta aos 12 anos. Mas quando essas diversas atividades estiveram relacionadas a tentar salvar a vida do meu filho, eu não consegui dar conta tão numa boa assim.

Foram meses de anotações e organizações em caderninhos pra conciliar horários e pagamentos de fisioterapia respiratória, motora, fonoaudiologia, terapia ocupacional e exames e mais exames quase diários que a minha mente entrou num ritmo frenético e sem pausa pra um café. Além de todo esse “gerenciamento” e do cansaço físico e emocional, o medo foi o meu melhor e pior amigo. Eu tinha medo das dores que o Cauê sentia, medo dos resultados, medo dos tratamentos, medo de perder meu filho, medo e muito medo.

Cauê partiu e a minha mente não desacelerava nem parava de sentir medo. Eu não conseguia parar de pensar no que eu fiz, no que eu não fiz, no que eu podia ter evitado e estive muitas vezes perto de surtar. Foi aí que eu fui apresentada à yoga restaurativa e, com ela, à meditação em grupo e o budismo tibetano. A prática da meditação é uma experiência muito, muito pessoal, mas compartilhar sobre suas sensações em grupo é extremamente enriquecedor.

Ao contrário do que muitos pensam, meditar não é ficar sem pensar em nada. O ato de parar, sentar e meditar é só o início de uma atividade que está inteiramente voltada a uma ação, a uma nova forma de agir consigo mesmo e com o mundo que está a sua volta. Meditar é a capacidade de estar, verdadeiramente, no momento presente e isso é quase tudo que eu precisava, e ainda preciso muito, fazer por mim.

Meditar é tão difícil pra mim quanto resistir a chocolate, e eu amo chocolate. Isso porque os meus medos estão justamente num passado traumático e num futuro que, na minha mente, pode se repetir. Isso porque as minhas frustrações estão num passado que eu não pude ter e num futuro que eu não poderei viver, não com Cauê. E nada disso é simples de lidar.

Porém, graças ao estudo e dedicação que eu tenho tido ao espiritismo kardecista, religião que eu cresci e responde aos meus questionamentos, e ao budismo tibetano, que é acolhedor e aconchegante, a meditação tem sido fundamental para eu compreender e exercitar a minha mente nesse presente que é tão importante estar. O que eu for capaz de escolher, de pensar e de fazer hoje será determinante no meu futuro. O passado e tudo que nele existiu foi da permissão de algo muito além do meu verdadeiro entendimento e aceitação, e é aí onde entram a minha fé e entrega.


Eu inspiro, expiro e volto, respiro e volto, vou e volto, assim como os meus milhares de pensamentos. Pode até demorar, mas eu volto. Eu consigo, eu sou capaz, eu quero. Eu respeito à dança das ondas dos meus pensamentos, que vão e voltam, das minhas tristezas e angústias, medos e frustrações, mas eu volto, eu sempre volto. 

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Dionísio, o cão de alegria



Eu sempre tive o hábito de perguntar os nomes dos garçons que me atendem em bares e restaurantes de qualquer lugar. Não gosto de chamá-los por “garçom, psiu, moço....”, não tem nada de errado com isso, eu que prefiro e acho mais educado chamá-los pelo nome. Só que do mesmo jeito que eu pergunto o nome, logo em seguida eu, provavelmente, esqueço. Não é nada com eles, eu que sou ruim de gravar nome mesmo. E quando eu conheci PR, todos os garçons que nos atendiam, pra ele, eram Dionísio. Eu esquecia o nome, perguntava se ele lembrava e ele dizia que sim: Dionísio.

O pior é que eu sempre morria de rir da mesma piada. Garçons em São Paulo, no Rio, em Recife, em Natal, Pipa, João Pessoa.....PR "achava" um Dionísio em tudo que é lugar. E de onde ele tirou esse nome? Eu também não sei. Só que Dionísio começou a "fazer parte" da nossa rotina, até que um dia a gente combinou que quando tivéssemos um cachorro, ele se chamaria Dionísio. E a ideia de ter um cachorro é antiga, desde antes de morarmos juntos, mas fomos adiando até que o universo decidiu o tempo certo.

Acho que na minha terceira ou quarta sessão de terapia após a partida de Cauê, eu levei à terapeuta a ideia de adotar um cachorro. Ela me ouviu e depois falou para eu pensar um pouco mais, pois achava que era chegada a hora de eu ser cuidada e não de cuidar. E sim, eu tinha consciência do risco da projeção que eu poderia fazer com um filhote de cachorro, um bebê. Eu refleti e saí de lá decidida a adiar um pouco mais o plano da adoção. Só que no outro dia, Eydinho, um amigo de infância, me procurou querendo me ajudar, fazer algo por mim. Eu falei a ele da minha vontade, ele foi atrás e tão logo conseguiu. Três dias após a sessão de terapia, eu estava conhecendo o Dionísio.

Eu, PR, minha irmã e meu cunhado chegamos na casa da dona da mãe de Dionísio e lá estava ele junto com outros cinco ou seis cachorros. Nós entramos no quintal e eu estava de olho em outro filhote, mas ele quem veio até nós. Eu lembro de ele ter caído dentro de uma vasilha cheia de cuzcuz, ele não parava quieto e sempre fazia questão de estar perto da gente. Até que PR olhou pra mim e disse: "amor, acho que é esse aqui. Ele nos escolheu". Saímos de lá e fomos comprar tudo que precisávamos para recebê-lo em casa e no outro dia nós fomos buscá-lo.

Dionísio nem ligou ao sair de perto da mãe e dos irmãos. Ele já saiu de lá com o rabo limpador de pára brisa ativado. Sim, quando ele está feliz, ou seja, sempre, o rabo dele não balança como de um cachorro "normal", o rabo dele vai de uma extremidade até a outra como o limpador de pára brisa de um carro. Dionísio já chegou em casa fazendo festa, correndo, tropeçando, caindo e beijando. Sim, ele é muito beijoqueiro. Não nega lambida pra seu ninguém.

Só que a minha terapeuta tinha razão e eu estranhei no começo e sofri. Enquanto a minha vizinha estava com seu recém nascido na varanda, eu estava com o meu cachorro. Enquanto as minhas amigas mães de UTI postavam fotos com seus filhos em casa, eu postava com o meu cachorro. Enquanto eu desmontava aos poucos o quarto do Cauê, eu montava aos poucos o espaço de Dionísio. E como eu imaginava, eu projetei. O primeiro banho que eu dei em Dionísio eu lembrei do primeiro banho que eu dei em Cauê e o que era algo simples virou uma dor pra mim. A primeira vez que ele colheu sangue pra ver se estava tudo bem, eu me senti mal e não consegui ficar na sala do veterinário com ele. É que voltou em mim toda a sensação de angústia que eu sentia quando colhiam o sangue de Cauê e o quanto ele ficava machucado por ser tão frágil. Não foi nada fácil.

Mas o tempo foi passando e eu fui conseguindo colocar cada sentimento e sensação no seu devido lugar e algo que me ajudou muito foi o respeito de Dionísio por Cauê. Eu não sei explicar de onde vem isso, mas ele tem um comportamento muito diferente quando se trata do Cauê. Se eu for pra qualquer lugar e fechar a porta, Dionísio só falta arrombar de tão desesperado que ele fica. Se eu for para o quarto de Cauê e me trancar lá pra chorar, ele só deita na porta e me espera. Se a gente vacilar com qualquer peça de roupa, Dionísio leva. Quando eu quero ver e tocar nas roupinhas de Cauê, ele senta do meu lado ou deita no meu colo e não toca em nada. Mas algo que ele não respeita é o tempo do meu choro. Ele não desiste de mim como eu tantas vezes já tentei desistir. Ele me chama, ele me lambe, ele me traz a bolinha, ele me traz Isidoro ( o urso de pelúcia dele), ele faz o que for, mas ele não me deixa chorar por muito tempo. Ele deita do meu lado e até tenta esperar passar, mas Dionísio não é um cão de companhia, ele é um cão de alegria.

Se tem algo que Dionísio me ensina todos os dias é não desistir de ser alegre. A felicidade é muito ampla e contínua, a alegria é menor, passageira e diária. Dionísio não se preocupa em ser feliz. Ele só quer ter alegria hoje. Dionísio nos dá muito, muito trabalho. Ele é agitado, louco, hiperativo, mas é perfeito pra mim. Claro que eu e PR torcemos, oramos e fazemos promessas diárias para que, um dia, ele seja um cão mais calmo, mas eu sei que vou sentir falta desse jeito Dionísio dele de ser. Afinal, se hoje Dionisío fosse calmo, tranquilo, ele seria a companhia ideal para chorar comigo e não pra me alegrar. Até porque se tem algo que Dionísio faz como ninguém é me tirar da minha zona de conforto da depressão, e com isso ele me tira da cama pra sorrir, correr e brincar. Ele deixa a energia da minha casa e da minha vida mais leve, bonita e peluda. Sim, ele solta muito pelo.

Seu carinho, seu amor, sua companhia e alegria me motivam, me contagiam e me enchem de vida. Eu não tenho mais medo de ficar sozinha, eu não tenho mais medo de voltar pra casa, eu não acho mais estranho sorrir. Dionísio me salva diariamente do abismo da pior dor que eu já senti na vida, ele faz o curativo nas minhas feridas de um jeito que só ele saberia fazer, inocente, despretensioso. Dionísio chegou pra mim no dia 24 de maio, quando Cauê faria 6 meses, quando fez um mês que eu vi meu filho verdadeiramente vivo pela última vez. O acaso me protegeu - e presenteou - quando eu estive distraída, a coincidência não.

Cauê sempre será o primeiro, Dionísio, hoje, é o meu caçula. E isso não é projeção ou comparação. É tão somente alegria, gratidão e amor.

sábado, 29 de agosto de 2015

Sua luz nos faz estrelas


                                   

Desde que eu ouvi Light Years (LY) pela primeira vez, eu sabia que ela seria uma das minhas músicas preferidas do Pearl Jam. Já no primeiro acorde, a canção me arrebatou de um jeito que eu lembro até hoje da dificuldade que eu tive de passar para a quinta música do álbum. Eu a escutei umas quatro vezes seguidas e travei. Por opção e por amor, amor à primeira ouvida. 

Em 2011, eu esperei a turnê inteira do Pearl Jam para ouvi-la ao vivo e isso só aconteceu no último show no Brasil, em Porto Alegre. Eu estava ao lado da Pri, uma grande amiga que a banda me deu, e nós duas cantamos super emocionadas e felizes, a Pri também é apaixonada por LY.  Poucas horas após o show, com o incentivo da Pri e do PR, que na época era só um “amigo colorido”, o universo conspirou e eu pude conhecer, conversar, apertar a mão (e alisar o antebraço, detalhe importantíssimo) e ganhar uma cerveja do meu ídolo, Eddie Vedder. O dia 11/11/11 marcou o meu encontro com Light Years e com o Eddie, uma noite que eu vou levar para sempre na memória do coração.

Após o nascimento do meu filho, a primeira vez que eu ouvi LY eu chorei demais. A letra é muito forte e sensível e mexeu ainda mais comigo diante daquela situação. Quando eu comecei a cantar pra Cauê na UTI, eu senti muita vontade de cantá-la também, mas eu tinha um medo enorme dentro de mim e, de fato, eu nunca consegui fazer isso para o bebê lindo. Com o tempo, o meu amor pela música ficou maior do que o medo e ela passou a me dar força, energia e coragem, mas ainda assim eu não consegui cantar. Eu a ouvi quase todos os 157 dias a caminho do hospital, assim como Better Days e Given to fly. Elas eram - e ainda são - parte da minha rotina e eram como mantras pra mim.  

Quando Cauê foi embora, eu e PR colocamos pra tocar no velório um set list que fizemos para o MP3 dele, em formato de Kombi, que ficava em seu quartinho. Escolhemos com todo amor cada uma daquelas músicas que embalariam as nossas noites quando ele fosse pra casa, mas infelizmente nós as usamos de outra forma. A gente passou a noite inteira no cemitério e assim que o sol nasceu e todos que estavam lá acordaram, eu pedi pra ligar o som e a primeira música que tocou foi Light years. Foi a primeira vez que eu a ouvi depois que ele se foi. E, finalmente, pela primeira e única vez, eu cantei LY olhando pra ele, chorando, tocando-o, beijando-o e agradecendo por todo o amor que vivemos.

Por isso, quando eu pensei em voltar a escrever, o primeiro nome que veio em minha mente para o blog foi “sua luz nos fez estrelas”, a frase mais linda da música. Eu tinha muita dúvida se deveria voltar a escrever, mas não tinha dúvida alguma quanto ao nome. Foi aí que eu procurei a Pri, que hoje mora em Lisboa, mas o nosso amor e amizade são infinitamente maiores do que o oceano que nos separa. Ela foi a primeira pessoa que eu falei do blog e, como sempre, na mesma hora se dispôs a me ouvir e ajudar. Pensamos juntas no layout, modelo, mas ficamos com um impasse. O nome do blog, no endereço, ficaria “ sualuznosfezestrelas”. Isso mesmo, formaria a palavra FEZES.

Nem um pouco agradável, não é?! Pensamos algumas horas e a Pri veio com a sugestão: “San, o que você acha de “sua luz nos FAZ estrelas”?! Caramba, eu tinha pensado em tantas alternativas, mas nunca em mudar "apenas" o verbo. Eu me arrepiei inteira e não por ela ter resolvido o problema das “fezes”, mas pela leitura, talvez até involutária que a Pri fez. Afinal, o que o Cauê me proporcionou, a luz que me tornou estrela é presente, ela continua aqui, o verbo merecia muito ser conjugado no presente e não no passado. Foi como um sopro de inspiração, acho que até dele pra ela. Aquilo fez todo um sentido, lúdico e real, pra mim e agora eu estou aqui, com a luz no presente, com a tentativa - exaustiva - de focar no presente e com o coração cheio de gratidão e amor ao Cauê, ao Pearl Jam, a  Light Years e a minha doce amiga Pri.


segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Onde foi mesmo que eu parei?

Há quase seis anos eu escrevi o meu primeiro texto num blog, o Na próxima esquina. Um ano depois, eu fui convidada pra fazer parte dos 7cronistas crônicos e o mais recente foi o Enquanto espero, eu tenho guardado o meu amor. O esquina nasceu após a morte do meu ex namorado, o 7CC surgiu com o convite de um amigo e blogueiro cujo objetivo era reunir amantes da crônica e da língua portuguesa e o Enquanto espero marcou a fase mais intensa de toda a minha existência: a gravidez e o curto tempo de vida do meu primeiro filho, o Cauê.

Todos esses blogs surgiram - e terminaram - por alguma razão especial ou num momento importante da minha vida. Com o começo deste aqui não é diferente. Alguns meses após a partida do Cauê, eu decidi retomar hábitos e rotinas que me faziam bem e um deles foi a leitura. Eu separei umas poesias, contos e crônicas e me deliciei sobre eles. A partir daí surgiu uma vontade enorme de reler os meus textos, especialmente dos dois primeiros blogs. E eu fiz um verdadeiro passeio dentro de mim, dos meus sentimentos, das minhas emoções e a cada texto lido, aumentava a vontade de voltar a escrever.

Ao mesmo tempo, eu me deparei com o receio de me expor demais e perder o controle da privacidade das minhas próprias experiências ou andar em círculos escrevendo muito sobre o que se tornou o centro de mim: a vida do Cauê. Foi uma vivência muito forte e dolorosa e quase tudo que eu ouço, vejo ou leio, eu contextualizo ao que vivemos. Um texto, uma música, um filme, uma conversa, o meu pensamento só quer uma desculpa pra buscar abrigo na memória do meu filho.

Por outro lado, escrever sempre foi muito mais do que é um hobby pra mim. Escrever é algo que, definitivamente, faz parte do que eu sou e a escrita, desde a infância, é uma grande e fiel companheira. O fato é que eu não tenho a intenção de que este blog seja uma continuação do Enquanto espero, até porque aquele blog era, literalmente, para Cauê. No fim das contas, eu acho que o que eu desejo escrever aqui eu preciso contar pra mim mesma. Talvez porque na tentativa de lidar com a morte, a gente arranje uma espécie de esquecimento, não da pessoa em si, mas da sensação que a gente tinha ao lado dela e eu não quero esquecer o que Cauê me proporcionou. Não quero esquecer do seu cheiro, do seu toque, do seu choro fraco e de todo amor que a gente trocou. 

A chegada e a partida dele mudaram a minha forma de perceber o mundo e claro que isso vai se refletir em meus textos, mas eu também não tenho a intenção de inspirar ninguém, muito menos de entristecer quem acompanhe o blog quando eu colocar pra fora alguma lembrança retida. Eu penso apenas em usar a escrita como a minha boa e velha fonte de libertação. Afinal, eu nunca fiz ou participei de um blog motivada exclusivamente por mim. Sempre houve uma motivação "externa" e agora ela é absolutamente minha. Por mim e para mim.

Porém, se a minha escrita emocionar, motivar ou fizer alguém refletir sobre o que eu sinto através dos meus textos, a minha libertação terá repousado, talvez, no benefício de uma ação cuja conseqüência será muito, muito pessoal. E mesmo ainda um pouco perdida depois de tanto tempo distante, eu não sei ao certo onde foi que eu parei, eu só tenho a certeza de que eu quero e preciso muito escrever e recomeçar, ou recomeçar e escrever.