domingo, 27 de dezembro de 2015

"Como eu escolho me sentir é como eu sou"

Sem a menor sombra de dúvidas, 2015 foi o ano mais difícil da minha vida, mas não, ele não foi o pior. Pra ser sincera, até hoje, não houve o "pior ano da minha vida" e, com fé em Deus, não haverá. Talvez porque como disse o Mike, guitarrista do Pearl Jam, ao escrever a música inside job (aqui no Brasil, inclusive), "como eu escolho me sentir é como eu sou". E por mais que as circunstâncias e mistérios da vida tenham me levado a sentir a pior dor do mundo esse ano, eu não seria justa e verdadeira se escolhesse sentir e resumir 2015 unicamente a sofrimento. 

Voltando um pouco no tempo, na noite de natal de 2014, exatos 30 dias do nascimento do Cauê, eu estava muito abalada e meu pai me fez uma promessa que norteou a minha imaginação e fantasia por todo esse ano. Ele me disse que no natal de 2015 Cauê estaria com a gente em casa e que ele montaria uma árvore de natal só para o neto e que ninguém diria "não" quando ele mexesse na árvore, estaria tudo liberado pra ele fazer o que quisesse. E eu imaginei tanto essa cena , de tantas formas e como eu sorri sozinha pensando nisso. Aquilo era a cara de painho e eu passei a sonhar dentro daquela UTI, quase todos os dias, com o que seria a "cara" do Cauê naquele momento. A noite de natal desse ano chegou e a sensação que ela me causou foi muito pior do que eu pensei, uma dor profunda dilacerou a minha alma e eu estraguei o natal da minha família com a minha tristeza e uma crise de choro incontrolável. 

No dia 25, eu ainda estava meio dopada de remédios, mas passei o dia quieta e consegui meditar, refletir e me esforcei pra fazer uma listinha mental do que me alegrou durante esse ano, do que a vida me trouxe,  do que ficou e dos ensinamentos que eu tive através da experiência de ser mãe de UTI de um bebê prematuro extremo e da perda desse filho . E por mais lágrimas que tenham rolado em meu rosto por causa desses pensamentos, eu percebi que muita coisa bonita veio na memória do meu coração, mais até do que imaginei. São os bons momentos que eu tive com o meu bebê lindo e as pessoas que quiseram verdadeiramente ficar ao meu lado que estão essencialmente vivas em minhas lembranças.

Naturalmente eu lembrei e sofri pelo que eu perdi. E eu perdi muito. Eu perdi sonhos, planos, expectativas e além de ter perdido, fisicamente, o Cauê, eu "perdi" outras pessoas que eram muito valiosas pra mim nesse ano. Relações que eu acreditei por toda uma vida que eram fortes, verdadeiras e que eu só descobri quando eu mais precisei que não eram nada daquilo. E como isso me machucou, como doeu! E ainda dói. Mas nessa meditação eu vi tão mais claramente o outro lado, o lado de colegas que viraram grandes amigos tamanha coragem, presença e disponibilidade e de amigos que se tornaram verdadeiros irmãos diante de tanto amor dispensado sem nenhum pedido realizado.

O fato é que eu sou muito mais humana do que pensam, muito menos forte - e mais insegura - do que imaginam e todos os minutos, todas as horas, todos os dias eu me esforço para seguir sem revoltas, sem questionamentos, sem vitimização. Se eu posso escolher como eu vou me sentir, eu não consigo sempre, mas eu procuro escolher me sentir em paz. Eu procuro escolher confiar em Deus e nos seus propósitos, eu escolho acreditar que não era pra ser, eu escolho acreditar que eu não fiz nada de errado ou que eu fiz tudo que era possível. Eu escolho acreditar que ele está bem e que eu, um dia, também conseguirei ficar, mesmo sem ver isso hoje como uma possibilidade real. Eu escolho ter fé em Deus e esperança no amanhã.

E por falar em esperança no amanhã, esse ano algumas pessoas, sentimentos e acontecimentos se materializaram em forma de esperança pra mim. O sorriso e a sensação de tocar, cheirar, beijar o Cauê ; o amor sublime e incansável da minha mãe e do meu marido; o amor e a proteção indispensáveis da minha irmã; a surpresa de uma colega que não virou amiga, ela foi direto ao meu coração como irmã, Aninha; a paz que as notícias de Luciana me davam; a emoção de assistir o vídeo do Cauê feito pela Pri; as iniciativas do Vinícius e do Luiz e a mobilização que isso causou; a chegada do Dionísio na minha vida como algo que, definitivamente, me salvou da amargura e depressão ; a saúde do meu pai ; o nascimento de Clara (filha de Camis e Arthur) ; a turnê do Pearl Jam e as palavras do Eddie ao dedicar Given to fly para mim. Um filme passou pela minha cabeça quando eu escolhi lembrar do que foi bom, mas foram essas as lembranças que mais me trouxeram amor, paz, alegria e gratidão.

Definitivamente, eu não posso ter vivido e sentido tudo isso e ainda assim classificar esse ano como o pior da minha vida. Claro que se eu fizer uma lista do que foi ruim, um  único texto seria pouco, mas como eu escolho me sentir é como eu sou, não é? E não, eu não quero fazer isso. E não é porque eu sou uma pessoa evoluída espiritualmente como insistem em dizer, eu me acho imatura até, é simplesmente porque lembrar do que foi ruim vai doer e a vida muitas vezes não me deu a chance de escolher se eu queria sentir dor ou não. Então se eu posso escolher, não, eu não quero sentir essa dor.

Em 2015 estão as minhas melhores lembranças com o Cauê e por isso eu não desejo que ele acabe logo e muito menos quero esquecê-lo. Eu só preciso de um tempo para não sentir mais dor pelas lembranças ruins desse ano, pelo que eu tive que desconstruir, pelo que perdi, exceto a perda do Cauê, pois esta, eu sei, é uma dor impossível de superar. Porém, suportá-la com mais serenidade e liberdade é um desejo que eu farei de tudo para conquistar. E que 2016 me traga mais paz interior, força e coragem. Que eu consiga ter a harmonia necessária para iluminar os meus pensamentos e as minhas ações para tocar a vida em frente com amor. Por mim, por PR, pelos meus pais e irmãos, pelos meus verdadeiros amigos e reais familiares e especialmente pelo Cauê, pela paz que ele precisa sentir em mim para seguir o caminho dele também, afinal o nosso elo não se partiu.

Eu confio em você, 2016. Confia em mim, meu filho. Ainda assim, obrigada, 2015.




terça-feira, 8 de dezembro de 2015

O amor que recebemos está salvo

E mais uma vez a turnê do Pearl Jam aconteceu numa fase muito importante da minha vida, mais uma vez ela foi um verdadeiro divisor de águas pra mim. Por isso, eu pensei muito como eu deveria escrever sobre ela aqui no blog. Dias tão mágicos, tão intensos. Quais os detalhes que eu deveria deixar guardado aqui? O que eu consigo realmente compartilhar, escrever, sem deixar o texto absurdamente extenso ou cansativo?! É um verdadeiro desafio, mas é um desafio bom e que eu decidi deixar rolar com o que vier de mais forte daqui de dentro, bem do coração.

Esse ano, por questões óbvias, eu demorei pra entrar no clima da turnê. Em 2011, três meses antes eu já estava pilhada, ansiosa. Dessa vez, eu não consegui entrar tão cedo no clima. Porém, poucos dias antes de viajar, eu não comentei isto com ninguém, mas eu comecei a sentir muito forte que algo especial aconteceria, mas dentro de mim, esse "especial" seria a banda tocar Light Years dedicada ao Cauê. Mas o fato é que eu não sabia que antes da turnê começar, diversas pessoas e energias já estavam tentando e vibrando para que esse "algo especial" acontecesse, mas o que rolou na noite do dia 14 de novembro de 2015 foi algo que eu nunca, nesses 17 anos como fã, sonhei que fosse possível.

E foi possível em São Paulo. Cidade que, também por questões óbvias, é muito importante pra mim. Na verdade, antes de eu conhecer PR, quando eu estive lá pela primeira vez, eu me apaixonei de cara. E foi lá, em novembro de 2011, que eu conheci o grande amor da minha vida, foi lá que eu vi o Pearl Jam ao vivo pela primeira vez, foi lá que eu fiz alguns dos maiores e verdadeiros amigos que eu tenho. E foi lá, dessa vez em novembro de 2015, que o Pearl Jam dedicou Given to fly pra mim, com um texto escrito pelo Eddie e com palavras ditas em português, repletas de força e amor, numa noite que eu jamais esquecerei.

Tudo começou quando, sem combinar nada entre eles, nossos amigos Dan, Eydinho, minha irmã Soraya e minha amiga Izabely tentaram levar a nossa história com o Cauê até o Pearl Jam. A única coisa que eles tinham em comum era a vontade de que algo especial acontecesse na turnê pra gente, sem nenhum deles saber ao certo o quê.

Dan é nosso amigo, fã do Pearl Jam, cinegrafista profissional e amigo do Jeff Ament (baixista do Pearl Jam). Ele disse pra mim que "naturalmente" teve vontade de fazer isso. Daí ele pegou o video em homenagem ao Cauê (feito pela Pri) e que tem 8 minutos, editou para quase 3 minutos numa sensibilidade impressionante, colocou legendas em inglês, acrescentou outras fotos e enviou o video por e-mail para o Jeff contando a nossa história. A música que toca no video é Given to Fly e por isso o PJ dedicou ela pra mim. A versão do vídeo feita pelo Dan ficou muito linda e emocionante:



Eydinho (ou Eyder, como o Eddie fala no vídeo) é meu amigo de infância, ele quem me deu o meu cachorro, Dionísio. Ele disse que teve um "estalo" meio que do nada, não conhecia o Ten Club (fã clube oficial do Pearl Jam), mas pesquisou, encontrou eles e escreveu em poucas linhas sobre nós informando o link desse blog e da minha página no facebook. O mais mágico nisso é que o 10C recebe milhares de e-mails diariamente (especialmente durante uma turnê), pois o Pearl Jam é uma banda muito grande. E mais, ele enviou o e-mail poucos dias antes do show de São Paulo e quando os caras já tinham começado a turnê na América Latina. O e-mail tinha tudo pra ser só mais um pedido, mas não foi. É porque, definitivamente, tinha que acontecer.

Minha irmã e minha amiga Iza tentaram juntas contato com o produtor do Pearl Jam no Brasil e enviaram diversos e-mails pelo site da banda, além do texto contando detalhadamente a nossa história para canais de televisão como o Multishow e programas da Globo. Não deu certo por esses caminhos, mas eu tenho certeza que a energia delas contribuiu e muito para esse desfecho tão incrível.

O que sabemos é que o e-mail de Eydinho chegou até a banda mais ou menos na mesma época em que o Jeff respondeu o e-mail do Dan . E ele me mostrou a resposta do Jeff que dizia algo como: " Nossa, quanta dor e quanto amor". Só que, certamente, o Jeff mostrou o video para o Eddie como um material enviado por um amigo brasileiro ( por isso não foi dito o nome do Dan) e junto com o e-mail do Eydinho e o meu nome pouco comum, eles identificaram que era a mesma história, a mesma pessoa e dedicaram a música do vídeo.

Porém, pra mim, o maior responsável por essa história toda foi o Cauê.  Esse "estalo" e esse "naturalmente" que o Eydinho e o Dan falaram se chama Cauê. Pra mim, é muito claro que ele quem inspirou todas essas pessoas a se mobilizarem. Pra mim, ele quem inspirou o Eddie a parar, pensar, sentar e escrever tudo aquilo. Ele poderia simplesmente ter dedicado a música e ponto. Mas não, ele quis oferecer "amor e apoio enquanto eu recupero a esperança no amanhã". Eu passei dias refletindo sobre tudo isso, especialmente sobre o "enquanto". Eddie não me conhece, mas mostrou que acredita em mim quando disse "enquanto". Ele acredita que eu vou me recuperar, que eu não vou desistir, que eu não vou me entregar...Cauê soprou isso no coração dele, pois ele sim me conhece muito bem.

Só quem conhece o Pearl Jam, sua equipe de produção e características sabe o quanto isso é pouco comum, o quanto isso tudo foi surreal. E duas músicas antes de Given to Fly rolar, eles tocaram uma música linda, porém triste e que o Eddie fez para o seu amigo Johnny Ramone quando ele morreu. Come back é uma música um tanto que evocativa e eu não quis cantá-la porque eu sabia que chamaria pelo Cauê em pensamento e não seria bom. Eu fiquei a música inteira abraçada com PR e nós dois choramos muito. Foi tão difícil aquele momento que eu cheguei a lamentar por eles terem tocado, pois eu fiquei verdadeiramente mal. Swallowed whole, a música que rolou em seguida, é uma das minhas preferidas do último álbum, era a primeira vez que eu a ouvia ao vivo e eu não vibrei. Ela terminou, as luzes acenderam, Eddie pegou um papel para ler e todos nós estávamos esperando ele falar algo da guitarra que o Serjão deu a ele. Nossa amiga Daniella começou a filmar um pouco atrás de mim e ela quem diz "ai, meu Deus" e não eu, como tantos pensaram. Eu não consegui dizer nem pensar quase nada, mas lembro do toque da Lívia nos meus ombros neste exato momento aqui:



O que eu lembro bem é de as minhas pernas tremerem muito, do meu coração disparar e de eu me arrepiar inteira. Todas as demais sensações ficaram naquele momento, na eternidade daqueles 5 minutos entre a dedicatória e execução de Given to fly. Eu sempre me arrepio ouvindo GTF, sempre. São mais de 15 anos me arrepiando com ela, mas nada parecido com aquela noite. E após o show foram tantos abraços emocionados, tantos olhos lacrimejados, tanto amor que eu e PR recebemos. Mais uma razão mágica disso ter acontecido em Sâo Paulo, foram  tantos amigos queridos que só puderam ir naquele show, o Rapha e a Ju, Syl e Dake, Ederson e Raquel....

E depois de tanto insistir, desejar e acreditar durante a turnê inteira que eles tocariam Light Years pra Cauê e eles não tocarem, eu tive uma conversa com a Pri (a minha amiga que fez o video original) e entendi que aquela turnê era pra mim. Eu levei uma foto pequena do Cauê dentro da capa do meu celular em todos os shows, eu o beijei em todos os shows, olhei para o céu e falei com ele em cada música especial, eu queria muito homenageá-lo com LY, mas eu entendi....ele não precisava mais de homenagens. Ele só precisava - e precisa - da minha serenidade, da minha paz, amor e que eu fique bem. Ele sabia - e sabe - que eu quem precisava da força, energia e amor do Pearl Jam para me ajudar a seguir em frente e ficar "pronta pra voar".

Essa não foi a primeira vez que o Cauê me deu sinais de que está bem, que está próximo de mim e do quanto o nosso amor e cuidado um com o outro continua existindo. Essa turnê e o recado do Eddie só reforçaram isso aqui dentro do meu peito. Assim como o Jeff percebeu, o amor e a dor continuam fortes por aqui, mas sem esses shows e todo o carinho que recebemos deles e dos amigos que eles nos deram em todos esses anos, a nossa longa jornada seria muito mais difícil para caminhar

E o amor que eu recebi está salvo, Dan, Eydinho, Aya, Iza....todos que estiveram com a gente nessa turnê tão incrível, o amor de vocês está salvo. Especialmente o nosso amor por Cauê e o dele por nós. Para sempre, salvo.