segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Meditação e ação

Um dia eu li um texto que dizia que oração é quando queremos falar com Deus e que a meditação é quando damos a chance de escutá-lo. Hoje eu posso dizer que, pra mim, ela é exatamente isso. A meditação não é bem uma novidade na minha vida, mas há pouco mais de três meses eu decidi praticá-la em grupo e através do estudo de uma nova e surpreendente paixão: o budismo tibetano.

Eu sempre fui uma pessoa muito prática, de resolver mil coisas ao mesmo tempo e sempre dei conta disso numa boa. Foi assim quando trabalhei com produção de cinema, produção de festivais de música e nos diversos tipos de trabalho que eu tive desde quando comecei na labuta aos 12 anos. Mas quando essas diversas atividades estiveram relacionadas a tentar salvar a vida do meu filho, eu não consegui dar conta tão numa boa assim.

Foram meses de anotações e organizações em caderninhos pra conciliar horários e pagamentos de fisioterapia respiratória, motora, fonoaudiologia, terapia ocupacional e exames e mais exames quase diários que a minha mente entrou num ritmo frenético e sem pausa pra um café. Além de todo esse “gerenciamento” e do cansaço físico e emocional, o medo foi o meu melhor e pior amigo. Eu tinha medo das dores que o Cauê sentia, medo dos resultados, medo dos tratamentos, medo de perder meu filho, medo e muito medo.

Cauê partiu e a minha mente não desacelerava nem parava de sentir medo. Eu não conseguia parar de pensar no que eu fiz, no que eu não fiz, no que eu podia ter evitado e estive muitas vezes perto de surtar. Foi aí que eu fui apresentada à yoga restaurativa e, com ela, à meditação em grupo e o budismo tibetano. A prática da meditação é uma experiência muito, muito pessoal, mas compartilhar sobre suas sensações em grupo é extremamente enriquecedor.

Ao contrário do que muitos pensam, meditar não é ficar sem pensar em nada. O ato de parar, sentar e meditar é só o início de uma atividade que está inteiramente voltada a uma ação, a uma nova forma de agir consigo mesmo e com o mundo que está a sua volta. Meditar é a capacidade de estar, verdadeiramente, no momento presente e isso é quase tudo que eu precisava, e ainda preciso muito, fazer por mim.

Meditar é tão difícil pra mim quanto resistir a chocolate, e eu amo chocolate. Isso porque os meus medos estão justamente num passado traumático e num futuro que, na minha mente, pode se repetir. Isso porque as minhas frustrações estão num passado que eu não pude ter e num futuro que eu não poderei viver, não com Cauê. E nada disso é simples de lidar.

Porém, graças ao estudo e dedicação que eu tenho tido ao espiritismo kardecista, religião que eu cresci e responde aos meus questionamentos, e ao budismo tibetano, que é acolhedor e aconchegante, a meditação tem sido fundamental para eu compreender e exercitar a minha mente nesse presente que é tão importante estar. O que eu for capaz de escolher, de pensar e de fazer hoje será determinante no meu futuro. O passado e tudo que nele existiu foi da permissão de algo muito além do meu verdadeiro entendimento e aceitação, e é aí onde entram a minha fé e entrega.


Eu inspiro, expiro e volto, respiro e volto, vou e volto, assim como os meus milhares de pensamentos. Pode até demorar, mas eu volto. Eu consigo, eu sou capaz, eu quero. Eu respeito à dança das ondas dos meus pensamentos, que vão e voltam, das minhas tristezas e angústias, medos e frustrações, mas eu volto, eu sempre volto. 

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Dionísio, o cão de alegria



Eu sempre tive o hábito de perguntar os nomes dos garçons que me atendem em bares e restaurantes de qualquer lugar. Não gosto de chamá-los por “garçom, psiu, moço....”, não tem nada de errado com isso, eu que prefiro e acho mais educado chamá-los pelo nome. Só que do mesmo jeito que eu pergunto o nome, logo em seguida eu, provavelmente, esqueço. Não é nada com eles, eu que sou ruim de gravar nome mesmo. E quando eu conheci PR, todos os garçons que nos atendiam, pra ele, eram Dionísio. Eu esquecia o nome, perguntava se ele lembrava e ele dizia que sim: Dionísio.

O pior é que eu sempre morria de rir da mesma piada. Garçons em São Paulo, no Rio, em Recife, em Natal, Pipa, João Pessoa.....PR "achava" um Dionísio em tudo que é lugar. E de onde ele tirou esse nome? Eu também não sei. Só que Dionísio começou a "fazer parte" da nossa rotina, até que um dia a gente combinou que quando tivéssemos um cachorro, ele se chamaria Dionísio. E a ideia de ter um cachorro é antiga, desde antes de morarmos juntos, mas fomos adiando até que o universo decidiu o tempo certo.

Acho que na minha terceira ou quarta sessão de terapia após a partida de Cauê, eu levei à terapeuta a ideia de adotar um cachorro. Ela me ouviu e depois falou para eu pensar um pouco mais, pois achava que era chegada a hora de eu ser cuidada e não de cuidar. E sim, eu tinha consciência do risco da projeção que eu poderia fazer com um filhote de cachorro, um bebê. Eu refleti e saí de lá decidida a adiar um pouco mais o plano da adoção. Só que no outro dia, Eydinho, um amigo de infância, me procurou querendo me ajudar, fazer algo por mim. Eu falei a ele da minha vontade, ele foi atrás e tão logo conseguiu. Três dias após a sessão de terapia, eu estava conhecendo o Dionísio.

Eu, PR, minha irmã e meu cunhado chegamos na casa da dona da mãe de Dionísio e lá estava ele junto com outros cinco ou seis cachorros. Nós entramos no quintal e eu estava de olho em outro filhote, mas ele quem veio até nós. Eu lembro de ele ter caído dentro de uma vasilha cheia de cuzcuz, ele não parava quieto e sempre fazia questão de estar perto da gente. Até que PR olhou pra mim e disse: "amor, acho que é esse aqui. Ele nos escolheu". Saímos de lá e fomos comprar tudo que precisávamos para recebê-lo em casa e no outro dia nós fomos buscá-lo.

Dionísio nem ligou ao sair de perto da mãe e dos irmãos. Ele já saiu de lá com o rabo limpador de pára brisa ativado. Sim, quando ele está feliz, ou seja, sempre, o rabo dele não balança como de um cachorro "normal", o rabo dele vai de uma extremidade até a outra como o limpador de pára brisa de um carro. Dionísio já chegou em casa fazendo festa, correndo, tropeçando, caindo e beijando. Sim, ele é muito beijoqueiro. Não nega lambida pra seu ninguém.

Só que a minha terapeuta tinha razão e eu estranhei no começo e sofri. Enquanto a minha vizinha estava com seu recém nascido na varanda, eu estava com o meu cachorro. Enquanto as minhas amigas mães de UTI postavam fotos com seus filhos em casa, eu postava com o meu cachorro. Enquanto eu desmontava aos poucos o quarto do Cauê, eu montava aos poucos o espaço de Dionísio. E como eu imaginava, eu projetei. O primeiro banho que eu dei em Dionísio eu lembrei do primeiro banho que eu dei em Cauê e o que era algo simples virou uma dor pra mim. A primeira vez que ele colheu sangue pra ver se estava tudo bem, eu me senti mal e não consegui ficar na sala do veterinário com ele. É que voltou em mim toda a sensação de angústia que eu sentia quando colhiam o sangue de Cauê e o quanto ele ficava machucado por ser tão frágil. Não foi nada fácil.

Mas o tempo foi passando e eu fui conseguindo colocar cada sentimento e sensação no seu devido lugar e algo que me ajudou muito foi o respeito de Dionísio por Cauê. Eu não sei explicar de onde vem isso, mas ele tem um comportamento muito diferente quando se trata do Cauê. Se eu for pra qualquer lugar e fechar a porta, Dionísio só falta arrombar de tão desesperado que ele fica. Se eu for para o quarto de Cauê e me trancar lá pra chorar, ele só deita na porta e me espera. Se a gente vacilar com qualquer peça de roupa, Dionísio leva. Quando eu quero ver e tocar nas roupinhas de Cauê, ele senta do meu lado ou deita no meu colo e não toca em nada. Mas algo que ele não respeita é o tempo do meu choro. Ele não desiste de mim como eu tantas vezes já tentei desistir. Ele me chama, ele me lambe, ele me traz a bolinha, ele me traz Isidoro ( o urso de pelúcia dele), ele faz o que for, mas ele não me deixa chorar por muito tempo. Ele deita do meu lado e até tenta esperar passar, mas Dionísio não é um cão de companhia, ele é um cão de alegria.

Se tem algo que Dionísio me ensina todos os dias é não desistir de ser alegre. A felicidade é muito ampla e contínua, a alegria é menor, passageira e diária. Dionísio não se preocupa em ser feliz. Ele só quer ter alegria hoje. Dionísio nos dá muito, muito trabalho. Ele é agitado, louco, hiperativo, mas é perfeito pra mim. Claro que eu e PR torcemos, oramos e fazemos promessas diárias para que, um dia, ele seja um cão mais calmo, mas eu sei que vou sentir falta desse jeito Dionísio dele de ser. Afinal, se hoje Dionisío fosse calmo, tranquilo, ele seria a companhia ideal para chorar comigo e não pra me alegrar. Até porque se tem algo que Dionísio faz como ninguém é me tirar da minha zona de conforto da depressão, e com isso ele me tira da cama pra sorrir, correr e brincar. Ele deixa a energia da minha casa e da minha vida mais leve, bonita e peluda. Sim, ele solta muito pelo.

Seu carinho, seu amor, sua companhia e alegria me motivam, me contagiam e me enchem de vida. Eu não tenho mais medo de ficar sozinha, eu não tenho mais medo de voltar pra casa, eu não acho mais estranho sorrir. Dionísio me salva diariamente do abismo da pior dor que eu já senti na vida, ele faz o curativo nas minhas feridas de um jeito que só ele saberia fazer, inocente, despretensioso. Dionísio chegou pra mim no dia 24 de maio, quando Cauê faria 6 meses, quando fez um mês que eu vi meu filho verdadeiramente vivo pela última vez. O acaso me protegeu - e presenteou - quando eu estive distraída, a coincidência não.

Cauê sempre será o primeiro, Dionísio, hoje, é o meu caçula. E isso não é projeção ou comparação. É tão somente alegria, gratidão e amor.