sábado, 30 de abril de 2016

Enquanto espero, eu tenho guardado o meu amor: o livro


“Há tempos eu procurava o que fazer com a minha dor e perguntava: “Onde colocá-la?”, “O que fazer para ela parar de doer?”, “Como não senti-la?”. Foi quando eu entendi que o lugar da minha dor é no amor. No amor infinito que eu sinto pelo Cauê e em tudo que ele, em seu curto e intenso tempo de vida, foi capaz de me ensinar. “

E assim começa o texto da contracapa do livro. O primeiro texto que escrevi apenas para o livro, pois agora, o blog que eu escrevi durante toda a gestação e vida do Cauê, “Enquanto espero, eu tenho guardado o meu amor”, é oficialmente um livro. E apesar de ter sonhado de um jeito e a vida ter me direcionado a uma nova forma de sonhar, ele agora é real. E isso só foi possível graças ao entendimento de uma das maiores lições que a precoce vinda e partida do meu filho me proporcionou:  o lugar da minha dor é no amor.

O plano era escrever no blog até o Cauê completar um ano de idade e depois entregar a ele o livro num formato lúdico, infantil quando ele aprendesse a ler. Mas não deu. E além de tudo que eu perdi com a morte dele, mais essa quebra de sonho e expectativa me machucou por meses. Foi aí que na turnê do Pearl Jam do ano passado, eu percebi dentro de mim, pela primeira vez, a dor e o amor convivendo juntos de forma pacífica e respeitosa. Essa percepção me encheu de esperança e coragem para resgatar o que ainda me restava e a transformação do blog no livro, algo que eu tanto desejei e sonhei, é a maior concretização disso.

Este é um livro de um exemplar só e feito por amigos que se solidarizam com a nossa história de amor e cederam os seus talentos para torná-lo real. Especialmente, Lu de Mari, mais uma vez e por todo o sempre, obrigada, minha amiga. O livro não foi pensado para ser um e-book, mas ele ficará disponível aqui no blog para quem quiser ler. É só clicar na seta que está em diagonal no lado direito da tela (ao lado de IN) que ele ficará em tela cheia e facilitará a leitura. Algumas páginas estão branco porque eram necessárias para a composição do livro impresso.  

Neste momento em que escrevo, uma sensação de liberdade toma conta do meu peito. Acho que assim como a minha terapeuta me disse que um dia aconteceria, no meu tempo, eu sinto que a partir de agora nenhuma homenagem em futuras turnês do Pearl Jam, nem livros ou tatuagens precisarão mais existir para eu homenagear e eternizar o Cauê na minha vida. Eu poderei senti-lo no vento, no mar, no sol e em tudo que me trouxer alegria e paz. Ele é e sempre será o meu primeiro filho, o meu eterno amor, o meu bebê lindo e de dentro de mim, ele jamais sairá. Hoje, um ano que ele foi para a morada do Pai, eu sinto que é chegada a hora de parar as tentativas de fazer ele “ficar” um pouco mais. Eu sempre soube, desde que ele se foi, de que ele não precisava de nada disso, mas eu sim. Era uma necessidade minha.

Por outro lado, eu também sei que nunca mais serei 100% feliz. Mas serei o percentual que eu puder ser. A dor tem a minha permissão para ficar, mas o sofrimento não mais. E neste um ano da morte do Cauê, eu me liberto. Ele, eu libertei quando o vi em coma. Eu precisei de alguns dias vendo ele naquele estado para matar toda esperança que ainda havia dentro de mim. E após 5 dias, eu me rendi à vontade de Deus e me tremendo e gaguejando, no dia 29 de abril, sozinha, eu abri a incubadora, coloquei a mão no peito dele e disse que ele estava livre para partir e parar de sofrer, pois a mamãe ficaria bem. No outro dia, ele se foi. Essa última parte eu menti. Eu nunca ficarei plenamente bem, mas eu seguirei com fé, esperança e amor. Por Deus, por ele, por PR e pelos dias melhores que eu sei que virão.

Eu te amo, bebê lindo. E eternamente guardarei o meu amor por você.



quarta-feira, 2 de março de 2016

Só enquanto eu respirar....





Por mais que eu saiba e sinta que isto é impossível, eu morro de medo de esquecer do meu filho. Eu tenho medo de o tempo levar da minha memória as poucas lembranças físicas que nós tivemos, pois sim, elas são muito importantes pra mim. Daí na última segunda-feira eu estava lendo um post de um grupo de ajuda à perda gestacional e neonatal que eu faço parte e foi quando uma mãe sugeriu que nós fizéssemos uma playlist para os nossos filhos  que partiram.

Eu sugeri Light Years do Pearl Jam e Better Days do Eddie Vedder e muitas mães participaram. Eu lembro que sugeriram Tears in heaven, do Eric Clapton,  Aonde quer que eu vá, dos Paralamas, Not as we, da Alanis Morissette, Gostava tanto de você, do Tim Maia, entre tantas outras. Mas uma que eu não conhecia me chamou a atenção: O anjo mais velho, do Teatro Mágico.

Primeiro que o nome da música é lindo e muito representativo pra mim e depois que muitas mães começaram a comentar emocionadas naquela sugestão. Fui para o youtube, ouvi a canção e desabei.  Eu não chorei, eu desabei. Eu escutei a música umas dez vezes seguidas. Talvez na tentativa de internalizá-la no meu coração como um mantra: "só enquanto eu respirar vou me lembrar de você". Eu me senti tão acolhida, amparada...era como se alguém me dissesse: "Ei, moça, não precisa ter medo de esquecer o Cauê. Só enquanto você respirar, você vai lembrar dele.  Somente enquanto respirar."

Vários outros trechos da canção são bem fortes e bonitos, por isso, pra quem não conhece a música, eu coloquei abaixo a letra completa, inclusive fiz isso por mim mesma. Porque quando o medo vier me visitar, infelizmente eu sei que ele ainda virá, eu poderei voltar aqui e lembrar que não , eu não vou esquecer o meu filho. E que só enquanto eu respirar, eu vou lembrar do meu bebê, o meu anjo mais velho.


O anjo mais velho

"O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"

Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minha alma daquilo que outrora eu deixei de acreditar

Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia, o verbo, a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minha alma d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar

Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar

Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia o verbo a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar...

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

E o fim é belo incerto... Depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..




quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Ode ao meu corpo

Olá, meu corpo

Eu acho que desde que o Cauê nasceu, ou melhor, antes, você foi quem mais se esforçou, trabalhou, lutou e eu nunca te agradeci verdadeiramente por isso. Na verdade, eu fiz o contrário. Eu culpei você, eu dei a você o título de incapaz de gerar uma criança saudável. Logo você que fez de tudo para que o Cauê não nascesse prematuro, mesmo sem entender o que estava acontecendo já que todos os exames diziam que você estava bem. Desculpe, meu corpo. Hoje a minha homenagem e gratidão vai pra você.

Eu sei que levei você à exaustão. 157 dias ininterruptos com uma jornada diária de em média 12 horas num hospital, dormindo pouco, comendo pouco e sofrendo muito. Você que ficou horas tentando parto normal, mas enfrentou uma cesárea sem o menor cuidado no pós operatório. Você que não teve resguardo, que teve os seios repletos de leite, mas não tinha o filho que você gerou pra sugar, somente uma bomba fria e sem vida. Obrigada por esse leite, meu corpo. Foram quase 3 meses esperando Cauê poder mamar, mas não deu tempo e a falta da ocitocina e da sucção dele fizeram o leite secar, mas você foi muito guerreiro, meu corpo.

Eu sei que culpei tanto você e hoje, às vezes, ainda culpo. Olho para o lado, para frente e para trás e vejo minhas amigas e estranhas "conseguindo" gestar seus filhos até o final da gestação e ainda me pergunto por que você não conseguiu. O que você fez ou deixou de fazer? Eu sei a resposta no seu coração, mas ainda assim eu sinto que você não é culpado, mas incapaz. Por favor, perdoe-me por isso. Eu estou cuidando da mente para ela me ajudar a tratar você melhor.

Eu nunca vou esquecer da conversa que eu tive com um médico e do quanto, pela primeira vez, eu fiquei orgulhosa de você após a chegada e a partida do Cauê. Ele me disse que pelos sangramentos durante a gravidez, sem os exames acusarem nada, isso significava que o meu corpo estava tentando expulsar o Cauê, provavelmente por mal formações. Como você bem sabe, o bebê lindo nasceu com diversas mal formações como deficiência visual, auditiva, motora....enfim. E foi aí que o médico me disse que ainda assim você aguentou e segurou até onde pôde para que o Cauê tivesse a chance de nascer vivo e cumprir a missão que eu e ele acordamos na espiritualidade. Eu ainda me emociono quando eu lembro disso. Muito obrigada, meu corpo, por ter conseguido as 28 semanas.

Obrigada por não ter adoecido durante os 157 dias mesmo sendo tão mal cuidado. Obrigada por ter levantado do chão quando a mente estava prostrada. Obrigada por ter gerado o Cauê da forma que ele veio. Obrigada por ter me proporcionado a sensação do toque do meu filho, a visão de seus sorrisos, o cheiro de sua pele. Obrigada pelas suas pernas, pelos seus braços, pelo seu útero, pelo seu coração.

Desculpe ter demorado tanto a olhar pra você e perceber o seu mérito em toda essa trajetória. Nos últimos 9 meses, eu achei que só a mente merecia atenção e que cuidar de você com alimentação e exercícios eram suficientes. Mas não são, eu sei. Eu preciso olhar pra você com mais compaixão e gratidão e mudar o discurso e o pensamento que só nos afasta e magoa. Desculpe-me, meu corpo, com todo o seu coração. E obrigada, pois sem você, eu não teria conhecido o Cauê. Sem você, eu não sentiria esse amor tão profundo. Sem o seu coração, eu não teria onde guardar o maior e mais bonito sentimento do mundo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Sobre sentir saudade

Eu sempre disse que a saudade só é boa de sentir quando ela pode ser "matada". Do contrário, ela tem sabor de dor. Além da minha fé em Deus, a minha fonte principal de inspiração para lidar com a dor da saudade e tudo que ela envolve é a música e a literatura. Isso desde que eu me entendo por gente. E desde o final do ano passado eu intensifiquei as leituras. Diversos textos, diversos gêneros, diversas histórias, não há uma temática preferida. Eu só tenho buscado manter a minha mente ativa, lúcida e com bons pensamentos. Isso porque eu reflito sobre cada frase que me toca, eu sinto, eu absorvo e guardo cada sentimento dentro de mim. Foi aí que semana passada, minha grande amiga Priscila  (obrigada por não desistir de mim, Pri), me apresentou um site chamado "vamos falar sobre o luto"?

O site é na verdade um convite para quebrar um tabu e falar sobre a morte, a perda e a saudade de uma maneira mais natural. E foi no compartilhar de histórias (e não de experiências, pois experiência é algo único e intransferível ) que os textos se converteram em verdadeiros abraços de desconhecidos pra mim. Logo eu que não queria ler nada sobre prematuridade e morte, consegui enxergar uma beleza inimaginável ali. Eu me senti extremamente acolhida e acarinhada , especialmente pelo Paulo através do texto "vai viver, cara".

Paulo perdeu a sua filha de 18 anos, literalmente, de uma hora para outra. Ela foi tirar um cochilo após chegar da faculdade e não acordou mais. O lance é que o Paulo narra a sua história com uma lucidez, entrega e liberdade emocionantes. Sem amarras, sem sofrimento. Há saudade, há dor, mas uma saudade que me pareceu boa de sentir, mesmo sem poder ser "matada". Eu já li o texto dele umas cinco vezes. Cada vez eu aprendo e apreendo mais. E nesta semana, pela primeira vez, eu consegui conversar de forma lúcida com o Cauê. Com calma, sem medo dos meus sentimentos, sem chorar muito e até com alegria. Eu juro.

Passei a exercitar a gratidão por termos vivido 157 dias juntos e não o lamento por ter sido apenas 157 dias. Passei a agradecer a ele por tudo que ele me ensinou e continua me ensinando e não o lamento por não ter conseguido trazer ele pra casa. Passei a agradecer o nosso encontro e não a nossa despedida. Passei a libertá-lo, devagar, no ritmo que eu consigo, sem medo de perder ele de novo. É um exercício como outro qualquer. Requer disciplina, boa vontade e persistência. Cansa, fadiga o lado emocional do cérebro e o coração, mas dá resultado. Todas as vezes que o pensamento e a sensação de frustração como mulher e mãe me assombram, e não são poucas, agora eu lembro do Paulo, da Amanda e do Cauê. Da relação que ele se propôs a ter com a sua filha, da relação que eu posso ter com Cauê, ambos após a morte. Assim como Paulo, eu quero sentir o meu filho no vento.

Um sentimento de saudade diferente começou a surgir dentro de mim. Não a tal da "saudade gostosa", mas uma saudade livre. Livre pra nós dois. Uma saudade que pode ser "matada" de uma forma diferente: com os olhos fechados e o sorriso e o coração abertos. Um sentimento consciente, sem ilusão, mas leve, sem peso. A dor, por hora, eu desisti. Não sei o que fazer com ela. Deixa doer. Um dia eu aprendo. Ou não. Uma coisa de cada vez e agora é o tempo de aprender a sentir saudade sem sofrer. E isso já é muito. Muito bom.