quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Sobre sentir saudade

Eu sempre disse que a saudade só é boa de sentir quando ela pode ser "matada". Do contrário, ela tem sabor de dor. Além da minha fé em Deus, a minha fonte principal de inspiração para lidar com a dor da saudade e tudo que ela envolve é a música e a literatura. Isso desde que eu me entendo por gente. E desde o final do ano passado eu intensifiquei as leituras. Diversos textos, diversos gêneros, diversas histórias, não há uma temática preferida. Eu só tenho buscado manter a minha mente ativa, lúcida e com bons pensamentos. Isso porque eu reflito sobre cada frase que me toca, eu sinto, eu absorvo e guardo cada sentimento dentro de mim. Foi aí que semana passada, minha grande amiga Priscila  (obrigada por não desistir de mim, Pri), me apresentou um site chamado "vamos falar sobre o luto"?

O site é na verdade um convite para quebrar um tabu e falar sobre a morte, a perda e a saudade de uma maneira mais natural. E foi no compartilhar de histórias (e não de experiências, pois experiência é algo único e intransferível ) que os textos se converteram em verdadeiros abraços de desconhecidos pra mim. Logo eu que não queria ler nada sobre prematuridade e morte, consegui enxergar uma beleza inimaginável ali. Eu me senti extremamente acolhida e acarinhada , especialmente pelo Paulo através do texto "vai viver, cara".

Paulo perdeu a sua filha de 18 anos, literalmente, de uma hora para outra. Ela foi tirar um cochilo após chegar da faculdade e não acordou mais. O lance é que o Paulo narra a sua história com uma lucidez, entrega e liberdade emocionantes. Sem amarras, sem sofrimento. Há saudade, há dor, mas uma saudade que me pareceu boa de sentir, mesmo sem poder ser "matada". Eu já li o texto dele umas cinco vezes. Cada vez eu aprendo e apreendo mais. E nesta semana, pela primeira vez, eu consegui conversar de forma lúcida com o Cauê. Com calma, sem medo dos meus sentimentos, sem chorar muito e até com alegria. Eu juro.

Passei a exercitar a gratidão por termos vivido 157 dias juntos e não o lamento por ter sido apenas 157 dias. Passei a agradecer a ele por tudo que ele me ensinou e continua me ensinando e não o lamento por não ter conseguido trazer ele pra casa. Passei a agradecer o nosso encontro e não a nossa despedida. Passei a libertá-lo, devagar, no ritmo que eu consigo, sem medo de perder ele de novo. É um exercício como outro qualquer. Requer disciplina, boa vontade e persistência. Cansa, fadiga o lado emocional do cérebro e o coração, mas dá resultado. Todas as vezes que o pensamento e a sensação de frustração como mulher e mãe me assombram, e não são poucas, agora eu lembro do Paulo, da Amanda e do Cauê. Da relação que ele se propôs a ter com a sua filha, da relação que eu posso ter com Cauê, ambos após a morte. Assim como Paulo, eu quero sentir o meu filho no vento.

Um sentimento de saudade diferente começou a surgir dentro de mim. Não a tal da "saudade gostosa", mas uma saudade livre. Livre pra nós dois. Uma saudade que pode ser "matada" de uma forma diferente: com os olhos fechados e o sorriso e o coração abertos. Um sentimento consciente, sem ilusão, mas leve, sem peso. A dor, por hora, eu desisti. Não sei o que fazer com ela. Deixa doer. Um dia eu aprendo. Ou não. Uma coisa de cada vez e agora é o tempo de aprender a sentir saudade sem sofrer. E isso já é muito. Muito bom.